segunda-feira, junho 04, 2007

Mapa do desejo

“Há sempre um plano B por perto. Ele é o oxigênio
extra que nos leva até a ilha mais próxima em
cuja praia iremos achar uma outra garrafa
com uma carta dentro que acreditamos
ter sido escrita exclusivamente para nós.”
Luis Manoel Siqueira

Esta carta, mulher,
é para te sossegar.
A juventude passou,
mas teu coração ferido
esconde sua própria cura.

Estou chegando:
não tenho pressa,
como sempre,
nunca é tarde demais.

Posso listar o que te resta:
uma alegria teimosa
como as auroras;
uma vontade
(até grande demais)
de agradar;
uma capacidade delicada
de ouvir;
uma curiosidade incansada
por narrativas;
uma determinação inquebrantável
de prosseguir;
uma beleza mansa;
uma franqueza clara;
um sorriso doce e treloso,
todos lindos de doer.

Adivinho lentamente
cada coisa boa
que ainda me darás.

(Teus raros cabelos brancos
ou tuas rugas,
minha vista cansada
não enxerga.
Há tintas de toda sorte,
não saberei se as usares.
Guarda mais segredo
dessas coisas pequenas
que a todos acometem).

Alisarei teu flanco ferido
até cicatrizar;
aliviarei o peso de tua história;
segurarei teu rosto cansado;
beijarei teus olhos molhados
para que sequem;
abraçarei com jeito
teu corpo machucado;
guardarei em meu ombro
tua cabeça cheirosa;
ruminarei palavras
com minha voz grossa
que só contigo repartirei.

Perderei algumas coisas,
na verdade, sem valor:
minha solidão calada
mais fácil que o diálogo
necessário dos amantes;
minha vontade soberana
de sozinha;
minha quietude estéril
que não valem a pena
de não ter-te.

Ganharei devagar
o segredo do teu desejo:
primeiro permitirás
minha vizinhança;
depois abandonarás
tua prudência
e guiarás minha mão
se ela tardar.

Aí saberei com prazer
o mapa do teu corpo,
conhecerei cada caminho
e seu alvo escondido.
(Tu mesma me darás
a senha que te abre
e serei dentro de ti
como um pensamento).

O comando é teu gemido:
eu me renderei,
estarei satisfeito
e curado de toda solidão
(discutiremos o rumo
na língua inaudível
dos amantes).

Mas se renovará
minha sede
que, mesmo previsto,
teu corpo me motiva
no seu código de surpresas.

Enfim seremos abrigo
bussolado
sem defesa
que não triunfará
a vontade de ser só
mas o desejo de partilha.

sábado, junho 02, 2007

Terra

A terra
é tudo:
até o mar
é só a terra
afogada...
(O marinheiro
finge amar o mar,
mas só
quando a pisa
alcança o lar).

Há entre a Terra
e o Homem
cuja mão é um dilema
lance de amor
acertado
lance de amor
errado.

Se a alisa
seu arado,
se a fecunda
sua semente,
multiplica-se
em pomares,
hortas,
jardins,
plantações...

Perfumes,
sabores,
cores,
alimentos de toda sorte.

Suas guerras, no entanto,
criam desertos gelados,
estepes molhadas de sangue
infernos de ferro e dores
bem no meio de seu ventre.

Ela perdoa devagar
e suas entranhas feridas
viram seu último berço.

Aí ele enfia cercas
no seu flanco delicado
e a multiplicação
se transforma em prisão
de que não sabe sair.

Mas a Terra tem abismos
que guardam segredos ricos –
pedras e metais preciosos
combustíveis que são surpresas
impossíveis de prever.

Ela perdoa as estacas
e cumpre nas suas dobras
sua oferta de vida.
Sua teima repetida
terminou por ensinar:
nem a Terra se cansa
nem o Homem desiste
e vão errando e acertando
suas bodas difíceis.

O vulcão de seu desejo
cospe volúpias, prazeres...
E dessa cópula formidável
nasce mais Terra incansável
que se debruça no mar.