domingo, fevereiro 17, 2008

Mais coisas de ano novo

Nesses últimos dias, comecei (como poucos brasileiros, antes do carnaval) e recomecei o ano. Digo isso porque sou professora e há nesse ofício recomeços inescapáveis.
Sempre acho difícil iniciar o ano, tenho cólicas, suores frios e gagueira, e não é mole sofrer desses males durante 18 dias.
Comparo este ano com o início de 2007 e tenho orgulho de minha teimosia: recomeço com medo, mas pronta para dizer de novo minhas certezas, minhas dúvidas, em suma, minha pessoa, minha face aberta... Acho que vem daí um pouco do meu receio, daquelas imperfeições escondidas que todos temos, e que eu, por força da profissão e de mim mesma, escondo menos.
Aliás, não sei de que profissão estou falando, acho que da de escritora... Drummond tem uns versos lindos nos quais ele diz que seu coração é menor do que o mundo e nele (no coração?) não cabem nem as dores dele (do poeta?)... Por isso ele gosta tanto de se contar, se despir, de gritar, freqüentar os jornais e se expor cruamente nas livrarias, e completa: preciso de todos.
Eu também sou assim: tenho um coração pequeno, onde não cabem nem as minhas dores, por isso me conto, me dispo, grito, “blogo”... Preciso de todos...
Sei como poucos da babel que é este mundo e nele nossas vidas: nossas incompreensões derivadas de nossas incapacidades de pedir auxílio ou de perdoar, de nos reerguer; derivadas de falarmos todos cada qual sua própria língua, dentro de sua própria cerca... Às vezes não sabemos se a mão que pede socorro carrega uma arma... Sei disso tudo no meu coração pequeno que, de vez em quando, como um açude, sangra...
Pensando bem, cólicas, suores frios e gagueira são sinais até pequenos. Sou mesmo é corajosa de dizer coisas que poucas pessoas dizem, mas que acredito que têm que ser ditas e ouvidas, mesmo que mal e porcamente. Não me importo.
Lá longe me vem Drummond de novo, quando diz que as coisas são tristes quando consideradas sem ênfase, e sorrio quando penso que não posso ser acusada de falta de ênfase, na sala de aula.
Eu recomeço... Os portugueses chegam ao Brasil, eu sofro genocídio, imigração forçada, saudade, processo colonial, monocultura, latifúndio, escravidão, exportação, seqüelas... Ensino nacionalismo através do indianismo e do seu malogro; através da paulatina consciência de nossa pluralidade étnica e cultural; de escritores falando disso como deviam e como podiam; e de cada um de nós que desprende o esforço de lê-los para se compreender e compreender.
Todo ano é assim: tenho medo, consigo, não consigo, gosto da tarefa, maldigo-a, canso, choro, tenho vontade de desistir... O ano termina... Descanso... O ano começa...
Resumindo, eu queria dizer boas vindas aos alunos que chegaram, eu queria dizer que sinto falta dos que partiram, eu queria dizer que sinto medo e júbilo, tudo misturado, eu queria dizer que costumo errar, mas que gostaria de acertar, eu queria dizer que gostaria de ser amada, apesar de tudo...

A Bebeth e Manoel Affonso, que voltaram.