Por que sonhar com uma escola inclusiva
No final de 2000 fui indireta e duramente atingida pela deficiência: meu filho de, então, 17 anos contraiu uma doença neurológica rara que lhe deixou graves seqüelas.
Essa história resumida num parágrafo parece rápida e fácil, mas consumiu da família toda muitos meses de lágrimas e dores de toda espécie.
Particularmente, as piores dificuldades concentraram-se naquilo que podia ser evitado e não o foi – desentendimentos com o plano de saúde, com o hospital domiciliar ou audiências com médicos cujos sombrios prognósticos apontavam vida vegetativa seguida de morte.
Apesar disso, em 2003, meu filho voltou a estudar, repetindo o primeiro ano do ensino médio. O quadro que se descortinou, durante três anos, repetiu o que já tínhamos experimentado – sofrimento evitável que potencializa o inevitável.
É sobre essa experiência que este relato se constrói e as metáforas, com licença, são devidas às dificuldades básicas de tradução de terremotos em palavras. O chão se abriu e caímos num abismo, localizado entre o “não sabemos” e o “não queremos”.
O “não sabemos” veio falado e seguido do “não queremos saber”, velado: os erros foram se repetindo à exaustão durante três anos. Esperei o erro no primeiro ano, mas, no segundo, não. Infelizmente, ele tornou a acontecer...
Sistematicamente, a escola não garantiu a meu filho medidas de acessibilidade arquitetônica, comunicacional, metodológica e programática, o que agudizou suas deficiências.
Seria injusto dizer que foram criadas barreiras afetivas, mas só a acessibilidade atitudinal não faz de uma escola uma escola.
O “não queremos” é crime, por isso não é falado. Mas ele existe no desvão de nossa humanidade incompleta.
Existe inarticulado tanto no pai que quer uma escola conteudística apenas e acha que a pessoa com deficiência atrapalha o aprendizado rápido do seu filho normal, quanto no que finge acreditar que o filho aprendeu uma tábua de conhecimentos pertinente e quantitativamente adequada.
Existe no dono da escola que quer vender pluralidade, sem ser, sem construir e sem formar pluralidade.
Existe escondido no professor que se agarra a fórmulas tradicionais e pensa que não tem tempo para dar atenção especial a nenhum aluno, mesmo ao que precisa disso (e muitos precisam). E que perpetua o sistema, usando-o como desculpa ou como atenuante, a não ser quando reclama do salário.
Existe em todos nós quando sentimos o constrangimento da situação de falar com nosso chefe para levarmos nossa mãe, já com deficiências, ao médico. Esse nó só aparece numa sociedade que não sabe harmonizar diferenças, nem criar confianças.
Existe na escola que finge que todos são iguais e expulsa os diferentes. De todos os matizes. Ou na que aceita o diferente, mas não é capaz de eliminar as barreiras que o derrubam.
Existe no sistema uniformizante que pede ao aluno para escrever sobre “pluralidade” num texto do vestibular que o exclui se ele não acertar a fazê-lo.
A deficiência de meu filho me humanizou: aumentou minha capacidade de sonhar, lançou-me contra o estabelecido, me fez chorar e errar. Também despertou dentro de mim os mais primários imperativos de fuga e suplantação de onde brotou uma energia desconhecida que agora me move.
A clareza decorrente desse processo me fez vislumbrar uma escola que seria uma casa com “sótão” (para atender as habilidades altas) e “porão” (para atender as limitações funcionais) e, não, um lugar que ignora os alunos e seus tempos, interesses, quereres e necessidades particulares, seqüencia aulas iguais, sem garantir motivação, e começa a “falar” em aumentar o tempo de permanência do aluno, repetindo aulas expositivas, sem “pensar” nas especificidades e, conseqüentemente, em atividades também não-acadêmicas que poderiam desabrochar múltiplos estilos de aprendizagem e inteligência.
Trazer a pessoa com deficiência para a escola não é só aceitá-la; é mudar a escola, e essa transformação não só é possível como necessária. O que não é bom para a pessoa com deficiência não é bom para ninguém.
Essa presença na escola é um caminho: como num espelho, ela nos fará assumir nossa natureza complexa e múltipla e nos dará coragem de lutar pelo equilíbrio da balança inescapável que é a nossa convivência – num prato, a igualdade (quando a ameaça é a inferioridade); no outro, a diferença (quando a ameaça for a massificação).
A escola inclusiva é desejável porque todos nós merecemos e temos o direito de pertencer, sem abrir mão de nossas idiossincrasias; é desejável porque precisamos de planejamentos e tratamentos individualizados; é desejável porque carecemos de projetos; é desejável porque necessitamos de diálogo; é desejável porque precisamos uns dos outros; é desejável porque não podemos prescindir de nós mesmos.
A presença da pessoa com deficiência escancara a deficiência de nossa escola e de nossa sociedade. O processo de inserção dessa pessoa implicará o enfrentamento necessário desse problema e o conseqüente aperfeiçoamento da escola e da sociedade de todos.
Essa história resumida num parágrafo parece rápida e fácil, mas consumiu da família toda muitos meses de lágrimas e dores de toda espécie.
Particularmente, as piores dificuldades concentraram-se naquilo que podia ser evitado e não o foi – desentendimentos com o plano de saúde, com o hospital domiciliar ou audiências com médicos cujos sombrios prognósticos apontavam vida vegetativa seguida de morte.
Apesar disso, em 2003, meu filho voltou a estudar, repetindo o primeiro ano do ensino médio. O quadro que se descortinou, durante três anos, repetiu o que já tínhamos experimentado – sofrimento evitável que potencializa o inevitável.
É sobre essa experiência que este relato se constrói e as metáforas, com licença, são devidas às dificuldades básicas de tradução de terremotos em palavras. O chão se abriu e caímos num abismo, localizado entre o “não sabemos” e o “não queremos”.
O “não sabemos” veio falado e seguido do “não queremos saber”, velado: os erros foram se repetindo à exaustão durante três anos. Esperei o erro no primeiro ano, mas, no segundo, não. Infelizmente, ele tornou a acontecer...
Sistematicamente, a escola não garantiu a meu filho medidas de acessibilidade arquitetônica, comunicacional, metodológica e programática, o que agudizou suas deficiências.
Seria injusto dizer que foram criadas barreiras afetivas, mas só a acessibilidade atitudinal não faz de uma escola uma escola.
O “não queremos” é crime, por isso não é falado. Mas ele existe no desvão de nossa humanidade incompleta.
Existe inarticulado tanto no pai que quer uma escola conteudística apenas e acha que a pessoa com deficiência atrapalha o aprendizado rápido do seu filho normal, quanto no que finge acreditar que o filho aprendeu uma tábua de conhecimentos pertinente e quantitativamente adequada.
Existe no dono da escola que quer vender pluralidade, sem ser, sem construir e sem formar pluralidade.
Existe escondido no professor que se agarra a fórmulas tradicionais e pensa que não tem tempo para dar atenção especial a nenhum aluno, mesmo ao que precisa disso (e muitos precisam). E que perpetua o sistema, usando-o como desculpa ou como atenuante, a não ser quando reclama do salário.
Existe em todos nós quando sentimos o constrangimento da situação de falar com nosso chefe para levarmos nossa mãe, já com deficiências, ao médico. Esse nó só aparece numa sociedade que não sabe harmonizar diferenças, nem criar confianças.
Existe na escola que finge que todos são iguais e expulsa os diferentes. De todos os matizes. Ou na que aceita o diferente, mas não é capaz de eliminar as barreiras que o derrubam.
Existe no sistema uniformizante que pede ao aluno para escrever sobre “pluralidade” num texto do vestibular que o exclui se ele não acertar a fazê-lo.
A deficiência de meu filho me humanizou: aumentou minha capacidade de sonhar, lançou-me contra o estabelecido, me fez chorar e errar. Também despertou dentro de mim os mais primários imperativos de fuga e suplantação de onde brotou uma energia desconhecida que agora me move.
A clareza decorrente desse processo me fez vislumbrar uma escola que seria uma casa com “sótão” (para atender as habilidades altas) e “porão” (para atender as limitações funcionais) e, não, um lugar que ignora os alunos e seus tempos, interesses, quereres e necessidades particulares, seqüencia aulas iguais, sem garantir motivação, e começa a “falar” em aumentar o tempo de permanência do aluno, repetindo aulas expositivas, sem “pensar” nas especificidades e, conseqüentemente, em atividades também não-acadêmicas que poderiam desabrochar múltiplos estilos de aprendizagem e inteligência.
Trazer a pessoa com deficiência para a escola não é só aceitá-la; é mudar a escola, e essa transformação não só é possível como necessária. O que não é bom para a pessoa com deficiência não é bom para ninguém.
Essa presença na escola é um caminho: como num espelho, ela nos fará assumir nossa natureza complexa e múltipla e nos dará coragem de lutar pelo equilíbrio da balança inescapável que é a nossa convivência – num prato, a igualdade (quando a ameaça é a inferioridade); no outro, a diferença (quando a ameaça for a massificação).
A escola inclusiva é desejável porque todos nós merecemos e temos o direito de pertencer, sem abrir mão de nossas idiossincrasias; é desejável porque precisamos de planejamentos e tratamentos individualizados; é desejável porque carecemos de projetos; é desejável porque necessitamos de diálogo; é desejável porque precisamos uns dos outros; é desejável porque não podemos prescindir de nós mesmos.
A presença da pessoa com deficiência escancara a deficiência de nossa escola e de nossa sociedade. O processo de inserção dessa pessoa implicará o enfrentamento necessário desse problema e o conseqüente aperfeiçoamento da escola e da sociedade de todos.
10 Comments:
muito bom..esse texto é a sua cara mesmo...da forma cm esponho a doença do seu filho na aula...é sua cara mesmo..ta otimo
ahh PARABENS EU SOUBE QUE ELE PASSOU NO VESTIBULAR QUE FEZ NEH...FIQUEI MT FEIZ P ELE ..FERNANDINHO QUE FALOU EM UMA DE SUAS AULAS SEMANA RETRASADA
muito bom..esse texto é a sua cara mesmo...da forma cm esponhe a doença do seu filho na aula...é sua cara mesmo..ta otimo
ahh PARABENS EU SOUBE QUE ELE PASSOU NO VESTIBULAR QUE FEZ NEH...FIQUEI MT FEIZ P ELE ..FERNANDINHO QUE FALOU EM UMA DE SUAS AULAS e foi no dia que portugual perdeu a copa ele disse q n foi o dia de FILIPÃO TECNICO MAS FOI DO SEU FILHO ...ACHO Q FOI ISSO N LEMBRO BEM AHUAHUA ..ele disse também que escreveu um poema p ele..vc poderia por aqui no blog
Adorei o texto...Concordo plenamente com o que li e acho de extrema importância analisarmos fatos cotidianos que deveriam ser priorizados pela sociedade...Outras pessoas deveriam dar mais ênfase a temas assim...Temas construtivos...Ler seus textos é um previlégio...
*Fiquei sabendo de seu blog por Débora Suassuna(professora do Idéia).
goxtei do texto... muito bom mesmo! a forma como expôs a doença de seu filho e a coragem que teve para enfrentar os problemas que apareciam.
Parabéns!
Parabéns pelo teu blog. E também parabéns pela coragem em expor a tua intimidade e a tua dor. Quando eu leio relatos como esse - tristes e ao mesmo tempo de não conformação-penso que são lutas como as tuas que fazem a diferença em nossa estada aqui na terra. Tenho certeza de que esse teu depoimento ajudará muitas pessoas que passam/passaram por problemas tão dolorosos.
Ah, parabéns também a tua incentivadora número 1, Débora, que colocou os teus escritos nessa trança.
Acho que nem preciso dizer que o teu blog já faz parte das minhas visitas diárias.
Um abraço
Flávia, antes de mais nada meus parabéns pela fibra com a qual agiu diante dessa adversidade que foi o ocorrido com seu filho. Em segundo lugar gostaria de deixar aqui meus parabéns pelo texto, o que aconteceu contigo é mais um exemplo que nos faz, ou pelo menos deveria fazer os educadores pensarem: até que ponto o sistema de educação nesse país continuará desse jeito? Casos ocorridos com pessoas como teu filho mostram que, continuar com um sistema educacional tradicionalista, que não atende às particularidades dos alunos, não estimula a criatividade, o construtivismo, se preocupa apenas em "terminar o programa do vestibular" e muito menos valoriza o aluno como um indivíduo pensante é um erro. O aluno é tratado, muitas vezes, apenas como um nome que consta na lista de boletos bancários de mensalidades. O mundo, a cada dia que passa, pede mudanças intensas no campo do conhecimento profissional e ver que a escola (entenda-se por escola o modelo pedagógico moderno) não acompanha essas mudanças, sequer se preocupa com elas e se faz de cega quando a ausência da modernização a ating é decepcionante e alarmante. O Por que de sonhar com uma escola mais inclusiva ficou perfeitamente claro para mim, o que divago agora é: quando criar uma escola mais construtivista e inclusiva?
Abraços
João Gabriel Pontual Falcão
PS: fiquei sabendo do seu blog por intermédio de Débora Suassuna
Só mais um comentário: quando nós, concluintes de ensino médio, revoltados com esse sistema "covestiano" viciado, poderemos ler algo sobre vestibular em seu espaço virtual?
Ola,
sou editor do Jornal de Debates ( www.jornaldedebates.com.br ) um espaço de livre-discussão na Internet. Esta semana estamos propondo o tema ‘O vestibular é justo?’ e gostaríamos de convidá-la a escrever sua opinião.
Grato,
Pedro Markun
OLA, AMIGA, MUITA FORÇA, QUE EU ...SEI Q UE VC TEM....NÓS SOMOS MULHERES,PARABENIZO POR TODA SUA FORÇA,GARRA ESTA LUTA VAI CONTINUAR.... PRECISAMOS MUDAR O SISTEMA.... DIZEM QUE POSSIVEL, TD Q ESTÁ NO PAPEL....MAS NOS SABEMOS QUE É IRREAL...ESTA INCLUSÃO,DESCULPA N TENHOO PALAVRAS BONITAS.....FICO TRISTE COM O CAMINHO QUE NOSSAS CRIANÇAS PERCORRE...BJS FORÇA PARA VC QUERIDA.BOM DIA! TEREZINHA DE RIBEIRÃO PRETO.BJS A VC E AO QUERREIRO DE SEU FILHO .Q ELE TBM É. BJS
bom comeco
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