Passeio pela Literatura - 4
O livro “O
cortiço”, de Aluísio Azevedo (1890), talvez seja o mais determinista da
literatura mundial.
De maneira
geral, várias obras do período se tecem em cima da ideia de que o ambiente
social é mais forte do que os personagens do romance. A personagem Anna
Karenina, do escritor russo Leon Tolstoy, por exemplo, suicidou-se, em virtude
da exclusão social a que ficou relegada, depois que assumiu formalmente sua
relação extraconjugal: não podia frequentar a igreja, nem o teatro, nem a casa
das outras personagens as quais, enquadradas nas convenções sociais, marcaram
uma “distância regulamentar” daquela personagem que, de forma franca, tinha se
libertado das verdadeiras prisões sociais a que todos os nobres da época eram
condenados. Sua discriminação era uma espécie de vingança dos outros, já que
todos se submetiam às regras em troca dos privilégios escandalosos de que
usufruíam, e nenhum personagem lhe perdoou da traição de classe e valores. No
enredo, há um detalhe também ilustrador: Anna estava lendo um livro de Hipólito
Taine, historiador, crítico literário e pensador francês, expoente do
Positivismo do século XIX. Seu método de análise consistia em observar o ser
humano a partir de três fatores determinantes − o ambiente, a raça e o momento
histórico. Tudo, portanto, foi empurrando Anna Karenina ao trágico desfecho:
não só o meio social e suas convenções a esmagaram, mas ainda suas leituras
confirmaram a ideia de que não adiantava lutar. A força do coletivo e do grupo,
portanto, se sobrepõe e vence a personagem, ideia que, transversalmente,
percorre os romances do período.
“O cortiço”,
por seu turno, também se faz nessas circunstâncias inescapáveis − quase nenhuma
personagem consegue fugir desses condicionantes ambientais, genéticos e históricos, ao
contrário: todas são, ao longo da narração, mais ou menos submetidas a esse
contexto fatalista.
Personagens
como Pombinha e Jerônimo, por exemplo, apesar de terem planos de melhorar de
vida, são arrastadas por leis químicas e físicas e reduzidas a animais
instintivos, sem profundidade psicológica. Essa redução é uma faca de dois
gumes perigosa – pode servir ao objetivo de denunciar condições de vida
precárias, mas pode também revelar preconceitos de toda ordem: o livro “Coração
das trevas”, de Conrad, escritor britânico de origem polonesa que também viveu
entre o final do século XIX e o começo do XX, tentou se equilibrar sobre esse
abismo; quis denunciar o Processo Colonial inglês na África, por meio da
animalização dos africanos, e os magoou irremediavelmente − até hoje é
considerado lá persona non grata, a
despeito de suas boas intenções. Essa caracterização animalizadora era um
espelho da ideia de evolução corrente
na época, ou seja, se havia evolução,
poderia haver involução, ou mesmo sociedades evoluídas e
involuídas. Daí à justificação de a África e mesmo a Índia serem “o fardo” dos
ingleses, que deveriam civilizá-las, foi um passo rápido e gerador das mais
inaceitáveis violências.
As atuais
questões europeias relativas à imigração e todo o seu horror são sequelas desse
brutal erro histórico europeu que, inapagável, ainda assombra e fere o mundo
todo dia...
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