"Lixo extraordinário", de Lucy Walker
“O
momento em que uma coisa se transforma
em
outra é o momento mais bonito.” (Vik Muniz)
Editado em sequência cronológica bastante quebrada, “Lixo extraordinário”
é um documentário filmado ao longo de 21 meses (entre 2007 e 2009), o qual
acompanha o trabalho de Vik Muniz no maior aterro sanitário do mundo, o Jardim
Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro, um lugar inaceitável: um lixão sem
limite, cheio de urubus, ratos e pessoas que habitam uma favela ao redor, na
verdade, tão inabitável, que foi desativado em 2012.
Vik Muniz é um premiado artista plástico brasileiro que vive nos Estados
Unidos e teve a oportunidade de transformar a própria vida através da arte. Em
virtude disso, concebeu um projeto para recuperar pessoas, devolvendo-lhes a
possibilidade de sonhar e, na sequência, realizar seus sonhos.
De início, o projeto parece resumir-se à abordagem das pessoas e à
captação de entrevistas e fotografias. Mas o documentário começa a revelar,
devagar, a dignidade com que elas enfrentam os revezes de suas vidas, os quais
as levaram até àquele lugar, e a capacidade tão humana de se reinventar e se
reconstruir noutra direção.
E aí começamos a nos identificar com aqueles sujeitos tão sofridos e a
verificar o poder que a arte e a beleza, consequentemente, têm de motivar e redirecionar
a vida das pessoas, pela reelaboração de suas idéias e de seus atos – é que a
seleção e a rearrumação do lixo estabeleciam uma espécie de contato essencial
entre as pessoas, o que permitiu, inegavelmente, a sua humanização. Ou seja: em
última instância, o que nos humaniza é a convivência. A arte, portanto,
localiza-se nesse intervalo turbinado de comunicação e entrelaçamento de
pessoas e viabiliza conhecimento, reconhecimento, elaboração e ressignificação
de experiências múltiplas.
A iniciativa consistia em projetar as fotografias iniciais do alto e, no
chão, recobrir com lixo as linhas e, então, refotografar, fazendo beleza não só
com o material cotidiano daquelas pessoas mas também oportunizando-lhes olharem
para si mesmas.
Por
fim, através de suas ligações profissionais, Vik Muniz levou as fotografias
resultantes para leilões e galerias internacionais e reverteu os lucros obtidos
para aqueles favelados, que puderam, desse modo, refazer não só suas próprias
trajetórias de vida, mas também a de outros como eles, já que alguns sonhavam
com projetos de alcance mais amplo e não só pessoal.
Testemunhar a finalização do projeto e suas
tão bonitas consequências motiva e anima o espectador e impele a continuar
pensando que, ao cabo, viemos juntos para nos ajudar.
1 Comments:
É interessante como a certa altura do documentário Vik olhando para a cidade de São Paulo a distância afirma: ‘A cidade daqui é linda. Olhando de perto não é, apenas quando você olha muito de longe.’ Em muitas obras, as cores, as texturas, os materiais só parecem fazer sentido quando observados a certa distância, é preciso ganhar perpectiva para que se observe a beleza. Mas isso parece ter o efeito inverso quando existe o fator humano envolvido, pois é preciso observar muito próximo para distinguir os catadores do lixo no qual eles estão enfurnados, e um olhar ainda mais próximo para enxergar seus rostos, sonhos e beleza em meios aos destroços, e é exatamente este o momento mágico onde algo aparentemente sem valor se revela singular e extraordinário.
Postar um comentário
<< Home