terça-feira, janeiro 22, 2013

"Lixo extraordinário", de Lucy Walker

“O momento em que uma coisa se transforma
em outra é o momento mais bonito.” (Vik Muniz)
Editado em sequência cronológica bastante quebrada, “Lixo extraordinário” é um documentário filmado ao longo de 21 meses (entre 2007 e 2009), o qual acompanha o trabalho de Vik Muniz no maior aterro sanitário do mundo, o Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro, um lugar inaceitável: um lixão sem limite, cheio de urubus, ratos e pessoas que habitam uma favela ao redor, na verdade, tão inabitável, que foi desativado em 2012.
Vik Muniz é um premiado artista plástico brasileiro que vive nos Estados Unidos e teve a oportunidade de transformar a própria vida através da arte. Em virtude disso, concebeu um projeto para recuperar pessoas, devolvendo-lhes a possibilidade de sonhar e, na sequência, realizar seus sonhos.
De início, o projeto parece resumir-se à abordagem das pessoas e à captação de entrevistas e fotografias. Mas o documentário começa a revelar, devagar, a dignidade com que elas enfrentam os revezes de suas vidas, os quais as levaram até àquele lugar, e a capacidade tão humana de se reinventar e se reconstruir noutra direção.
E aí começamos a nos identificar com aqueles sujeitos tão sofridos e a verificar o poder que a arte e a beleza, consequentemente, têm de motivar e redirecionar a vida das pessoas, pela reelaboração de suas idéias e de seus atos – é que a seleção e a rearrumação do lixo estabeleciam uma espécie de contato essencial entre as pessoas, o que permitiu, inegavelmente, a sua humanização. Ou seja: em última instância, o que nos humaniza é a convivência. A arte, portanto, localiza-se nesse intervalo turbinado de comunicação e entrelaçamento de pessoas e viabiliza conhecimento, reconhecimento, elaboração e ressignificação de experiências múltiplas.
A iniciativa consistia em projetar as fotografias iniciais do alto e, no chão, recobrir com lixo as linhas e, então, refotografar, fazendo beleza não só com o material cotidiano daquelas pessoas mas também oportunizando-lhes olharem para si mesmas.
Por fim, através de suas ligações profissionais, Vik Muniz levou as fotografias resultantes para leilões e galerias internacionais e reverteu os lucros obtidos para aqueles favelados, que puderam, desse modo, refazer não só suas próprias trajetórias de vida, mas também a de outros como eles, já que alguns sonhavam com projetos de alcance mais amplo e não só pessoal.
Testemunhar a finalização do projeto e suas tão bonitas consequências motiva e anima o espectador e impele a continuar pensando que, ao cabo, viemos juntos para nos ajudar.

1 Comments:

At 1:40 PM, Blogger Orpheus said...

É interessante como a certa altura do documentário Vik olhando para a cidade de São Paulo a distância afirma: ‘A cidade daqui é linda. Olhando de perto não é, apenas quando você olha muito de longe.’ Em muitas obras, as cores, as texturas, os materiais só parecem fazer sentido quando observados a certa distância, é preciso ganhar perpectiva para que se observe a beleza. Mas isso parece ter o efeito inverso quando existe o fator humano envolvido, pois é preciso observar muito próximo para distinguir os catadores do lixo no qual eles estão enfurnados, e um olhar ainda mais próximo para enxergar seus rostos, sonhos e beleza em meios aos destroços, e é exatamente este o momento mágico onde algo aparentemente sem valor se revela singular e extraordinário.

 

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