sábado, setembro 02, 2006

Jogo de trevas

DO DIÁRIO DE BRANCA

1 de 12 de 1949:

Jamais saberei ao certo o motivo que me levou a querer deixar ao meu filho tantas dúvidas ou tantos amores e ódios.
Não sei ainda se ele se chamará Antônio ou Antônia, mas de qualquer maneira é enorme a alegria que sinto quando penso no assunto. Parece que, apesar de me sentir uma mulher livre e plenamente consciente dos meus deveres para com o mundo – sou dele um cidadão tão importante como qualquer outro –, a maternidade é que realmente terminou de completar a feição da minha pessoa: é como se o meu homem houvesse participado da criação do meu ser juntamente com Deus, que a iniciou e a deixou pela metade.
É, pois, esse diário uma reflexão sobre a minha vida de ser humano, de mulher e de mãe; também sobre a realidade que me pertence. E a prova última de que, apesar de não parecer, eu sou livre, amei livremente e que sou como sou, porque, antes de tudo, é grande a minha responsabilidade para comigo mesma.
Tenho hoje 40 anos e, assim que obtive certeza de que trago comigo um filho, resolvi deixar a ele os relatos e pareceres de minha estada cá nesses desertos sertanejos de Pernambuco. Só quisera ter coragem – o que agora me falta – para realmente isso fazer.


7 de 12 de 1949:

Achei dentro da minha bíblia todas as cartas que recebi durante esses anos. Graças a Deus, apesar do alheamento em que me encontrava, mecanicamente fui guardando tudo. Assim, se um dia me resolver a, realmente, contar as histórias de minha vida, tudo me ficará mais fácil.