"Poderosa Afrodite", de Woody Allen
“Poderosa Afrodite” é um
filme do diretor Woody Allen, por quem tenho um sentimento dúbio: enquanto
assisto a seus filmes, divirto-me a valer; mas costumo me esquecer das histórias,
e isso não é um acontecimento comum na minha vida, pois me lembro perfeitamente
de histórias que li quando era uma menina ainda.
Quando alguém me
pergunta se já assisti a tal filme de Woody Allen, eu respondo um “não sei” bem
aguado e concluo que, inconscientemente, vingo-me dele esquecendo.
Pois bem: revi “Poderosa
Afrodite” recentemente e, além de constatar que tinha me esquecido de tudo, ri
e chorei bastante – pelo menos meu esquecimento me traz a possibilidade de ver,
pela primeira vez, sempre, os filmes de Woody Allen.
Desta vez, a história é
a de um casal que adota uma criança: Lenny, o pai, é jornalista esportivo e
Amanda, a mãe, trabalha numa galeria de arte. O tema da adoção, diga-se de
passagem, não é brinquedo na vida do diretor: uma de suas esposas adotou
crianças, e a separação do casal se deu por um explosivo caso entre Woody Allen
e uma de suas filhas (deixei o “suas” com proposital ambiguidade para explicar
melhor). Que Woody Allen nos faça rir dessa tragédia é a cara dele...
Na história, como o
filho adotivo é muito sabido e muito bonito, Lenny resolve, sabe-se lá por quê,
ir atrás da mãe do menino, na expectativa de encontrar uma bela e inteligente
mulher. Mas, depois de roubar papéis confidenciais, o personagem termina por
encontrar uma prostituta tão burra e incompetente que, apesar de linda, não
consegue dar conta do seu “negócio”.
Por amor ao filho, Lenny
tenta reencaminhá-la a uma vida normal, direcionando suas escolhas, ajudando-a
a resolver suas questões com o cafetão, enrolando o cômico e o dramático, como
tão bem os personagens de Woody Allen sabem fazer.
Surpreendentemente, no
meio de tudo isso, surgem, do nada, música grega para turistas, heróis da
mitologia, figuras da psicanálise e um hilário coro de tragédia grega que
narra, opina, interfere, aconselha... seguido pela solução “deus ex machina”,
desde sempre implausível, impossível e inexplicável, que resulta num final
casual e surpreendente. Feito a vida e seus “Imponderáveis de Almeida”, nas
palavras de Nelson Rodrigues.
Na verdade, gosto de
duas ideias desse filme. A primeira é a da loteria genética humana. Rubem
Braga, uma vez, refletiu sobre ela numa crônica linda chamada “Imigração”,
escrita num distante janeiro de 1952. Nesse texto, nosso Rubem comenta uma
reportagem sobre a Ilha das Flores, para onde iam os imigrantes assim que
chegavam ao Brasil. O jornalista que a escreveu discordava da política
imigratória daquela época que aceitava inúteis, como músicos, bailarinas,
cabeleireiras, costureiras, vendedores, em vez de agricultores e técnicos. Na
crônica, Braga concorda com o jornalista, de início. Mas depois se perde nas
próprias ideias e começa a apreciar as fotografias da reportagem, concluindo
que o destino é insensato, que nós não vivemos apenas de alfaces e motores, que
é preciso um monte de tudo para formar um mundo e que cada pessoa é uma trança
inexplicável de heranças, taras, possibilidades, escolhas e milagres, algo
assim... E que as redenções podem vir de um desqualificado anônimo, já que a
fantástica loteria humana é imprevisível e, portanto, incompreensível... E
tarôs e cartas não adiantam nada, infelizmente, eu acrescento...
A segunda ideia que
aprecio é a do amor, de que não se pode fugir e que é tão velho quanto nós,
tanto que aparece nas tragédias gregas antigas, tão fortemente referidas no
filme.
Há dois triunfos na
história – o amor (esse sentimento tão humano que faz o que fazemos: destrói e
gera vidas) e a arte (essa ação também tão nossa que alimenta o amor e se
alimenta dele).
Não são triunfos completados, na
realidade. Mas costumamos não desistir, seguindo adiante, às cegas, com as
heranças...
1 Comments:
A covardia tem nome e rosto. Mas não se preocupe tanto com "ela", pois "ela" já está se autodestruindo. Estamos todos com vocês duas. Beijos.
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