segunda-feira, setembro 01, 2014

"A um poeta", de Olavo Bilac

          “A um poeta”, de Olavo Bilac, é uma das mais perfeitas realizações do Parnasianismo no Brasil – não só na forma mas também no conteúdo, esse texto atinge uma espécie de perfeita ortodoxia da escola.
          Na forma, o fato de a ideia ter sido exposta num soneto já diz muito do Parnasianismo. O soneto é uma estrofação de origem medieval que, ao longo da história da tradição ocidental, foi muito utilizada, por sua complexidade e por constituir sempre um desafio ao poeta, que tem de adaptar sua ideia a uma arrumação estrófica pré-existente (no caso, dois quartetos, seguidos de dois tercetos). O Parnasianismo não foi a única escola literária que o utilizou, mas, nesse período, o soneto foi tão importante que ficou a cara desse estilo.
           Observe-se que, além de ter escolhido o soneto, Bilac usou decassílabos, versos de dez sílabas poéticas, rimados com esquema também apriorístico: ABBA / BAAB / CDC / DCD.
        Há uma dificuldade adicional na rima: é que o poeta, nesse período, faz um esforço para aproximar palavras que pertençam a classes gramaticais diferentes. É o caso, por exemplo, de “rua” (substantivo), que rima com “sua” (verbo), ou “emprego” (substantivo), com “grego” (adjetivo).
            Ninguém hoje em dia se preocuparia em fazer poemas dentro de parâmetros formais tão rígidos, mas, durante a longa tradição ocidental, nascida ainda na Grécia antiga, até o final do século XIX, com ênfase no Parnasianismo, essas questões formais bem acabadas e rigorosas são condição “sine qua non” para se conferir a um texto o “status” de poético.
            Falamos da forma, vamos ao conteúdo: o eu-poético defende a impassibilidade como valor estilístico, ou seja, na sua opinião, o poeta deve ficar longe da rua, da vida, da História, pois tudo isso é “estéril”. E deve permanecer num “claustro”, como um monge “beneditino”. É o que os estudiosos chamam “torre de marfim” – em vez de se preocupar com a realidade circundante, o parnasiano se comprometia com a estrofação, a métrica, a rima e a seleção vocabular, isto é, não é qualquer palavra ou qualquer estrutura sintática que “merecia” entrar num poema parnasiano.
       Há uma clara posição antirromântica: no lugar da espontaneidade, da inspiração (valores típicos do Romantismo), o poeta dá preferência ao trabalho, à teima e ao suor; no lugar do idealismo, do platonismo e do espiritualismo, o poeta prioriza o concreto (“limar” o poema, que é comparado a uma fábrica, a um templo); no lugar da religiosidade romântica, o poeta aponta a cultura greco-latina ou clássica, que prima pela simplicidade, valor também defendido no poema.
           Costuma-se observar o Parnasianismo com um olhar moderno e seu esteticismo como postura inaceitável de “fazedor” de versos, mas ele trouxe temáticas novas, como a metalinguística, e o corte dos exageros estilísticos românticos que, no final do século XIX, já se esgotavam.
           Não podemos deixar de perceber que, mais tarde, por exemplo, em autores do próprio Modernismo (como João Cabral de Melo Neto), essa concisão linguística e essa metalinguagem parnasianas emergiram numa nova forma e se tornaram valores apreciáveis.

2 Comments:

At 12:40 PM, Anonymous Anônimo said...

E os primeiros raios do Sol começam a surgir fazendo vislumbrar um 2015 de renovações! Parabéns Flávia e Débora! Vocês duas merecem estar com os melhores e honestos por perto.

Beijos!

 
At 9:37 PM, Anonymous Ítalo M. Rocha Guedes said...

Cara Professora Flávia,
Sou seu leitor fiel, admiro muito seu estilo de escrever que, além de didático, quando é preciso ser didático, é fluido, é intimista. Seu texto é cuidadoso como uma conversa sincera entre amigos. Gostaria ainda de ler um livro seu sobre Literatura, na forma de ensaios, talvez, como adota aqui no blog. Não pensa nisso?

 

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