A felicidade
O começo do ano e algumas dificuldades trabalhistas me fizeram pensar na palavra “felicidade”.
Nossa sociedade tem criado, na minha opinião, uma espécie de ditadura da felicidade e da competência: todo mundo deve se mostrar feliz e competente para resolver toda sorte de problema. Somada ao carnaval, essa simplificação diz muito de nossa incapacidade de sermos nós mesmos.
“Ter” e “parecer ter” substituem tudo isso e fazem de nós seres superficiais, infantilizados e infelizes, na verdade.
Sem partilhar nossas impotências, nossos medos, nossas incompetências, estamos virando falsos super-homens e supermulheres, que não caem, não tropeçam, não morrem, não adoecem, não envelhecem, não têm histórias reais.
O resultado não é felicidade; é negação da tristeza, da falha, da falta, elementos que fazem de nós, humanos, o que somos – essa soma de fracassos e colossos.
Na verdade, nossa tristeza é também estruturante e tem a ver com o que somos lá dentro de nós mesmos, com o enfrentamento e a aceitação de nossos fracassos e defeitos, que são a marca primeira do que conseguimos, na história nossa de cada dia, fazer com o que somos, com o que sonhamos, com o que acertamos, com o que erramos, com o que queríamos mas não pôde ser realizado – até porque não podemos tudo, nem sabemos tudo.
E às vezes quedamos, inertes, durante um tempo necessário, imobilizados diante da vida, sem clareza do que fazer, dizer, pensar.
Paciência...
Não penso que ser feliz é executar bem um rol de tarefas urgentes.
Já experimentei felicidade em pequenas doses que me salvaram de grandes desesperos: o nascer do dia, um flamboyant florido, uma fonte de água, a lembrança de um filme, de um livro, de um poema, uma criança, o calor do sol...
De fato, há certas dores que são inevitáveis solidões, não há compaixão que as torne menores.
O psicanalista Giannetti tem uma frase boa: “O caminho do paraíso está pavimentado de fórmulas”. Já ouvi conselhos hilários – arranje um cachorro, compre um carro, tome tal remédio, comece a namorar, contrate uma empregada... – como se minha felicidade estivesse fora de mim e não no "diálogo" e no enfrentamento interno entre o que não abro mão, o que desisto e o que acho que vale a pena insistir, o que sonhei...
Porque só eu sei o que sonhei e do esforço que fiz para não me afastar demais do que sonhei, para não me perder.
Bandeira fala de uma tristeza que sinto – a da vida que podia ter sido e que não foi.
A essa somo outra – a da certeza em certas palavras que se dissolveu, no aprendizado de que todas as palavras têm limites, que são humanos e inescapáveis.
No caminho aprendi que “tolerância”, “inserção”, “igualdade”, “liberdade”, “fraternidade”, “amor” e outras palavras bonitas têm o limite de nossos defeitos, de nossa humanidade, de nossas incompetências e habilidades. E que meu instinto de silenciar e suportar não garantia o conserto das situações.
Aliás, há certas situações que não têm conserto, e o que fazemos de nós depois de sua instalação em nossas vidas também faz de nós o que somos.
Levando a vida com uma dessas situações tatuada na alma, aprendi a reconhecer que posso me sentir melhor porque carrego valores próprios, porque sou incansável buscadora de melhoria nos relacionamentos com as pessoas e porque participo, com tudo isso e com a minha profissão, de um projeto de aperfeiçoamento paulatino e histórico do bem-estar coletivo, já que coloco o melhor de mim nas minhas ações.
O melhor de mim pode não ser suficiente e pode não parecer o certo. Mas é o meu melhor. E isso me consola, me basta, me norteia.
Tudo o que eu disse aqui é descombinado com o que a nossa sociedade atual propala: que não há limites nem hora para o prazer; que não há dor, nem tristeza; que não há solidão, nem problema sem solução; que se pode resolver tudo porque todos podemos ser, igual e ilimitadamente, solucionados, turbinados, felizes, empregados, ricos, acompanhados, bonitos... É só comprar... um livro de autoajuda, um tratamento, uma plástica, uma terapia, um “personal estylist, dancer, boyfriend, girlfriend”... Em inglês, fica tudo mais claro, americanalhado (como diz Alberto Cunha Melo) e apropriado.
A depressão que sobra disso tudo “é a doença de uma sociedade que decidiu ser feliz a todo preço”, como disse o escritor francês Bruckner, numa entrevista à Revista Época que li há muito tempo. E não esqueci.
Ser feliz tem o verbo “ser”, não o “ter”. E ser é um processo difícil de negociação interna e externa. Ao longo de um tempo muito longo, tão longo que, às vezes, não podemos avaliar bem, só Ele. Nossos papéis e missões são visíveis e invisíveis. E, às vezes, tudo isso é muito difícil. Mas vale.
Sem partilhar nossas impotências, nossos medos, nossas incompetências, estamos virando falsos super-homens e supermulheres, que não caem, não tropeçam, não morrem, não adoecem, não envelhecem, não têm histórias reais.
O resultado não é felicidade; é negação da tristeza, da falha, da falta, elementos que fazem de nós, humanos, o que somos – essa soma de fracassos e colossos.
Na verdade, nossa tristeza é também estruturante e tem a ver com o que somos lá dentro de nós mesmos, com o enfrentamento e a aceitação de nossos fracassos e defeitos, que são a marca primeira do que conseguimos, na história nossa de cada dia, fazer com o que somos, com o que sonhamos, com o que acertamos, com o que erramos, com o que queríamos mas não pôde ser realizado – até porque não podemos tudo, nem sabemos tudo.
E às vezes quedamos, inertes, durante um tempo necessário, imobilizados diante da vida, sem clareza do que fazer, dizer, pensar.
Paciência...
Não penso que ser feliz é executar bem um rol de tarefas urgentes.
Já experimentei felicidade em pequenas doses que me salvaram de grandes desesperos: o nascer do dia, um flamboyant florido, uma fonte de água, a lembrança de um filme, de um livro, de um poema, uma criança, o calor do sol...
De fato, há certas dores que são inevitáveis solidões, não há compaixão que as torne menores.
O psicanalista Giannetti tem uma frase boa: “O caminho do paraíso está pavimentado de fórmulas”. Já ouvi conselhos hilários – arranje um cachorro, compre um carro, tome tal remédio, comece a namorar, contrate uma empregada... – como se minha felicidade estivesse fora de mim e não no "diálogo" e no enfrentamento interno entre o que não abro mão, o que desisto e o que acho que vale a pena insistir, o que sonhei...
Porque só eu sei o que sonhei e do esforço que fiz para não me afastar demais do que sonhei, para não me perder.
Bandeira fala de uma tristeza que sinto – a da vida que podia ter sido e que não foi.
A essa somo outra – a da certeza em certas palavras que se dissolveu, no aprendizado de que todas as palavras têm limites, que são humanos e inescapáveis.
No caminho aprendi que “tolerância”, “inserção”, “igualdade”, “liberdade”, “fraternidade”, “amor” e outras palavras bonitas têm o limite de nossos defeitos, de nossa humanidade, de nossas incompetências e habilidades. E que meu instinto de silenciar e suportar não garantia o conserto das situações.
Aliás, há certas situações que não têm conserto, e o que fazemos de nós depois de sua instalação em nossas vidas também faz de nós o que somos.
Levando a vida com uma dessas situações tatuada na alma, aprendi a reconhecer que posso me sentir melhor porque carrego valores próprios, porque sou incansável buscadora de melhoria nos relacionamentos com as pessoas e porque participo, com tudo isso e com a minha profissão, de um projeto de aperfeiçoamento paulatino e histórico do bem-estar coletivo, já que coloco o melhor de mim nas minhas ações.
O melhor de mim pode não ser suficiente e pode não parecer o certo. Mas é o meu melhor. E isso me consola, me basta, me norteia.
Tudo o que eu disse aqui é descombinado com o que a nossa sociedade atual propala: que não há limites nem hora para o prazer; que não há dor, nem tristeza; que não há solidão, nem problema sem solução; que se pode resolver tudo porque todos podemos ser, igual e ilimitadamente, solucionados, turbinados, felizes, empregados, ricos, acompanhados, bonitos... É só comprar... um livro de autoajuda, um tratamento, uma plástica, uma terapia, um “personal estylist, dancer, boyfriend, girlfriend”... Em inglês, fica tudo mais claro, americanalhado (como diz Alberto Cunha Melo) e apropriado.
A depressão que sobra disso tudo “é a doença de uma sociedade que decidiu ser feliz a todo preço”, como disse o escritor francês Bruckner, numa entrevista à Revista Época que li há muito tempo. E não esqueci.
Ser feliz tem o verbo “ser”, não o “ter”. E ser é um processo difícil de negociação interna e externa. Ao longo de um tempo muito longo, tão longo que, às vezes, não podemos avaliar bem, só Ele. Nossos papéis e missões são visíveis e invisíveis. E, às vezes, tudo isso é muito difícil. Mas vale.
22 Comments:
Lindo Flavinha, lindo MESMO. Profundo, delicado e verdadeiro.Mexeu comigo pela sua veracidade.
PARABÉNS
Este comentário foi removido pelo autor.
Como é bom poder ler e poder continuar a avaliar e refletir sobre tudo o que Flavinha fala. Parabéns, esse texto é realmente fastástico e confesso, é um dos que achei mais lindo. Me emocionei muito.
Querida Flávia
quando eu dizia que você precisava de um blog acho que já era porque via, dentro de você, tudo isto.
Este é um dos textos mais incríveis que já li. Com ele, você deixou todos os nossos grandes escritores para traz. Nunca vi ninguem falar sobre "felicidade" com tamanha propriedade. (desculpe o trocadilho, não encontrei outra palavra).
Quando leio seus textos imagino você, diante de uma turma de jovens, trazendo coisas que, aos poucos, vai mudando a vida deles. E isto é raro! Muitas pessoas contribuem para mudar a vida de algumas pessoas. Mas são raras as pessoas que, através da palavra e do exemplo, conseguem mudar a vida de muitos ... coisa que se repete a cada ano, quando você inicia as suas aulas...
E o blog amplia sua grandeza para "outros mares ..."
Gostaria de saber se posso repassar o texto para pessoas amigas. Acho que muita gente gostaria de ler o que você escreveu.
PARABÉNS !
Sempre gosto de ler o seu blog porque mostra muito coisas que eu também sinto, mas não sei dizer exatamente o que é. Gosto muito de me "encontrar" nas suas palavras. :)
fLÁVIA, EU LI, SENTI, CHOREI, ME IDENTIFIQUEI.... ESTOU SEM PALAVRAS... E AGORA, ME PERMITO ESTAR TRISTE E FICO FELIZ COM ISSO....
Eu sabia disso tudo, só não sabia como dizer, e você o fez com maestria. Sônia Maia, a mãe de Paulinha.
Me lembrou essas palavras: "Os milionários quiseram comprar a felicidade com seu dinheiro, os políticos quiseram conquistá-la com seu poder, as celebridades quiseram seduzi-la com sua fama. Mas ela não se deixou achar. Balbuciando aos ouvidos de todos, disse: eu me escondo nas coisas simples e anônimas..."
Ontem recebi a minha notícia do vestibular, passei.. aí uma das pessoas que primeiramente me vieram na cabeça foi você, sempre fui apaixonada pelas letras, do A ao Z do alfabeto, sempre vi beleza naquilo!
em 2009 tive o prazer de conhecê-la e vi poucas pessoas fazerem seu ofício tão bem e com tanto prazer, no melhor estilo 'utilEagradavel'
uma professora que além de ensinar gosta de aprender durante a aula, de ouvir mesmo através de olhares. vou levar tudo isso pra o meu curso e pra minha vida! brigada
ah, quanto ao texto.. muito lindo! gosto muito da frase de bandeira!!
beijao
e ainda bem que tem seu blog preu matar a saudade!
Esse texto me fez ver que valeu a pena me matricular no seu curso de português em 2010 : )
E inveja da minha namorada que faz Letras, vai poder ler textos assim pra "estudar" hehehe.
você sempre me deixando feliz com sua 'a felicidade' quando acho que estou só ou triste. E me dando norte.
Como te agradecer?
Lindo! É o mesmo que assistir a uma aula sua, consigo imaginar até suas caras e gestos. Como Dani disse, é muito bom "me encontrar" nas suas palavras. E é muito bom saber que tantas pessoas tem a oportunidade de aprender com você, não só literatura, mas aprender a ser. Com certeza você foi parte fundamental na minha vida, no meu amadurecimento. Fiz seu curso quando era 2º ano e você virou o assunto principal das minhas conversas, depois, fui sua aluna no 3º e ainda escutava suas palavras e histórias com a mesma admiração e emoção da primeira vez. Não tive coragem de falar o quanto você foi importante pra mim pessoalmente, mas precisava agradecer por tudo o que você me ensinou. Obrigada, Flávia. Você é uma pessoa maravilhosa! :)
Querida,lembra que Riobaldo falava
¨Viver é muito perigoso¨?Lembra que
foi Diadorim que ensinou a ele apreciar ¨a beleza das coisas sem dono¨? é nessa beleza que SOMOS.
Parabéns por ensinar a seus alunos
além de literatura,os valores que nos tornam melhores e capazes de seguir em frente.
Tenho que agradecer por ter tido oportunidade de participar como aluna de suas aulas maravilhosas, poder desfrutar e me emocionar com seus textos lindoooos neste blog.
Você com seu jeito simples fazer com essa juventude passe refletir...
Só me vem agora a cabeça sua frase "pensem comigo"
Quanta sensibilidade!!!
Obrigada por mais um texto lindo!
Mil bjs
Perfeito, como sempre, se superando!!!
Depois de ouvir com atenção todos os elogios das minhas (duas!) irmãs sobre uma professora de literatura que as preparou para o vestibular, chegou a minha vez. Mas eu nunca, nunca oderia imaginar que me encantaria tanto com uma aula e teria vontade de chorar ao ouvir um texto. Fiz exercício pra me concentrar na aula, mas não pelo assunto, e sim porque me identifiquei tanto com ela que as ideias fervilhavam na mnha cabeça para que eu pudesse escrever sobre o assunto. Quem é "metido" à escrever algo, tem dessas coisas. E talvez por isso eu não esteja expressando direito minha opinião aqui, porque voltei pra casa em um misto de vontade entre querer comentar no blog da minha professora ou começar a escrever textos. Textos meio sem regra, dignos de um 0 na prova, mas daquele que satisfazema alma. É de dar graças a Deus pela inclusão digital que me permite ler tantas coisas com as quais me identifico tão facilmente. E por eu ter parado dentro da sala de aula com alguém tão talentosa. Se eu tiver 10% da sua sensibilidade na escrita estarei satisfeitíssima. :) Não leve em conta qualquer equívoco cometido por mim durante o comentário, escrevi exatamente o que pensei, não da forma como desejo, as palavras sempre me faltam quando quero demonstrar sentimentos fortes.
Parabéns, Flávia concordo em tudo que você expressa nele texto.
Gostaria de falar com você poderia enviar seu e-mail? Fui sua colega de turma no curso de filosofia na Nova Acrópole.
Meu e-mail mlsoliveira@yahoo.com.br
Flavia,perfeito!Sabe qdo vc le algo que parece que foi escrito pra vc?Foi exatamente isso!
-tudo bom? (automático)
-tudo (automático)
poste mais
Primoroso, Flávia.
Grande abraço
Naire
não existe a receita da felicidade,procurá-la em algum lugar pode ser perda de tempo,nao é ela seja estática,já que é dinâmica está ligada as convivencias e saber lidar com os outros,mas a maior compreensao de felicidade é olhor para dentro de nós mesmo e nos vigiar como diz a bíblia, enxegar nossos os defeitos e melhorar as qualidades sao as frramentas básicas de encarar a vida melhor.felicidae tb é lutar pelos nossos sonhos e conseguir o necessário das realizações,distribuindo com os vizinhos as boas conquistas, ficam mais saborosas.
uma das ótimas felicidades conquistadas é tê-la(FLÁVIA)como uma pessoa que carrego dentro do coração.Agradeço a vida e a Deus por ter te colocado em meu distino...
suas palavras escristas transborda sua alma de gente que quer viver intensamente essa fase da vida, a terrestre...obrigodo por existe em nossas vidas,vc é um encanto de humana, além de ser um oceano que distribuo aos outros uma gota serena e tranquila.
bjsss eterno aluno....
Texto belo e honesto. É a forma mais autêntica de falar da felicidade sem negar a tristeza. Mostra equilíbrio, característica que afasta qualquer resquício da infantilidade que domina a cultura contemporânea. Aproveito e deixo o link de um texto que trata de algo semelhante. É meu blog que você pediu ontem e eu não sabia de cor (vergonhosamente) o endereço: http://despertador-br.blogspot.com/2010/11/acordando.html
Abraço!
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