Ariano Suassuna vive!
Nem sei direito como ele conseguiu,
nestes tempos brabos, viabilizar minha viagem: acho que ela foi uma junção de
ajudas, e o que entendi depois foi que meu novo amigo fez das tripas coração e,
assim coraçãomente, como diz João Guimarães Rosa, terminou por concretizá-la.
Não sei como foi, só sei que foi assim. Declaro a quem interessar possa que
Fábio, inclusive, cuidou para que viesse, num carro da Secretaria de Educação, um
motorista em especial que tinha trabalhado com meu primo Sérgio, filho de tio
Saulo. Ambos já partiram, mas foram
revisitados, na ocasião do trajeto, nas suas histórias e jeitos de ser.
Assim que cheguei, visitei o
simpático prédio da GRE (acho que a acolhida do pessoal foi que me deu a
sensação boa e fresca que senti) e, em seguida, fui entrevistada na Rádio
Jornal Limoeiro e na Rádio Cultural FM. Daí fomos ao Galpão das Artes, o
primeiro presente que Fábio e seus amigos me deram nesse fim de semana especial
que tive o privilégio de ter: um lugar lindo, que abriga um palco, onde estava
exposto o figurino de uma peça teatral; uma espécie de museu de brinquedos
populares de madeira e outros materiais; e até uma galeria de artes plásticas,
com quadros que, perfeitamente, combinavam com o ambiente. Tudo estava tão fiel
às ideias defendidas por meu tio Ariano Suassuna, que tive vontade de me
ajoelhar ali mesmo, diante daquele altar que o reverenciava de modo tão
perfeito, para agradecer a compreensão pertinente e a abertura que o grupo
tinha tido para o seu universo conceitual e simbólico. Não o fiz, é verdade,
mas o que senti deve ter sido percebido – fiquei tão emocionada que Fábio teve
que me ajudar a subir no palco, porque eu quis ver de perto os detalhes das
roupas expostas, enquanto ele me contava que tudo aquilo tinha sido
confeccionado com material doado numa campanha que arrecadara mantas, fuxicos e
colchas de retalhos, tudo usado, mas em bom estado, e tinha, digamos assim,
sido reciclado e ressignificado naquele deslumbrante e assombroso guarda-roupa que
estava ali exposto.
Senti, de forma tão forte, a
presença do meu tio querido em tudo aquilo, que não tenho palavras para
agradecer ao grupo, nem para descrever a diversidade de sentimentos que me povoaram.
Não é todo dia que a gente vê sentido na vida: vi naquele lugar e,
principalmente, nas pessoas que o formam (que um lugar não é nada sem pessoas)
uma extensão das ações e das ideias de Ariano. E ali mesmo o imaginei
descansado de sua luta, olhando lá de cima aquilo tudo através dos meus olhos,
satisfeito com o resultado que se mostrava devagar.
Depois do almoço começamos a
executar a primeira parte do nosso programa central que consistiu na tal
palestra que ministrei. Confesso que fiquei com vergonha da apresentação que
tinha preparado, porque todos ali pareciam entender Ariano tanto quanto eu. Depois
da palestra, fui compreendendo, aos poucos, o que, de verdade, fui fazer ali:
lembrar a eles que “difícil” não significa “impossível” e que há um sentido
bonito na luta que eles travam para fazer o que fazem.
À noite tive o privilégio de ver o
ensaio geral do primeiro ato – o grupo costuma encenar um ato de cada vez – da
peça “A farsa da boa preguiça”, de Ariano Suassuna, com a direção de Charlon de
Oliveira Cabral. Na frente de uma igrejinha linda, com bandeirinhas e tudo, num
perfeito cenário interiorano que estava de novo a cara de Ariano, pude
testemunhar o trabalho sério, o esforço desprendido e adivinhar os cansativos
ensaios e os desânimos e as motivações que tinham levado todos nós até aquele
pátio, onde se descortinou de novo para mim o sonho de Ariano de realizar um
teatro entre erudito e popular, que pudesse dar emoção e riso a pessoas
desprovidas de renda e de acesso à cultura e que, enfim, teriam sua festa na
vida difícil que vivem. Não sou crítica de teatro, mas acho que posso destacar
o trabalho de corpo; a movimentação dos atores, apesar de não haver o palco,
que os limitaria melhor; a prontidão das respostas engraçadíssimas às intervenções
da plateia que todo teatro de rua exige; a coragem necessária para um trabalho
assim tão distante daquele a que a maioria das pessoas está acostumada... Ri
tanto que alguém chegou a perguntar se eu tinha sido paga para tal, a fim de
puxar o riso da plateia. Na verdade, eu estava feliz de ver como meu tio está
vivo naquelas pessoas...
Portanto, eu queria agradecer a
todas elas: por fazerem de suas vidas um laboratório de ressurreição de Ariano
e por permanecerem firmes, apesar das dificuldades, ofertando àquelas pessoas
não só lazer, mas também cultura. Lá de cima, ao lado de Compadecida, Ariano
deve estar feliz e satisfeito. Ele manda dizer que esses tempos de trevas
passarão, e que nós estamos no caminho certo.
2 Comments:
"Não é todo dia que a gente vêe sentido na vida." Hoje eu vi na minha através do seu texto.
Paulo de Tarso Porrelli
Resolvi ler mais uma vez "Ariano Suassuna vive " e volto a me emocionar com entusiasmo e busca de outras soluções. A esperança é tudo. Por isso, temos que nos alimentar sempre de leituras que promovam o gosto pelo viver se refazendo sempre.
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