sábado, setembro 02, 2006

Jogo de trevas

DOS ESCRITOS DE ANTÔNIO: AS ANGÚSTIAS DO POETA

II

Não, a alegria não existe. Nem existirá.
Só a dor e a tristeza
e o desespero há.
Dos subterrâneos clandestinos
da minha mente,
visões medonhas
esborram por sobre sangradouros
profundíssimos
e escorrem com fluidez
em direção ao coração também ensombrado
que acolá rasgará
por falta de ladrão.
E aos meus olhos só aparecem
os terrores absolutos
e os gritos alucinados dos gnomos
que travam cá dentro
batalhas odientas
contra eles mesmos.
É preciso uma força que não tenho
para encarar a vida e mostrar-lhe
os olhos calmos, apesar da luta.
Eu nego a Alegria.
Nego porque ela
jamais me povoou
e porque foge,
assim alumiada,
dos pélagos obscurecidos
e desabitados do meu coração
cheio de ânsias.
Nego com todas as forças
que ainda me restam.
Nego-a até para não ficar louco
de ansioso buscar
atrás e sempre.
Oh! Fantasma assustador
que é a Alegria.
Pára; para que eu possa
ao menos olhar-te
e ficar-te aqui com um pouco apenas
da tua luz.
Pela grande escuridão
da tristeza em que me encontro,
eu te imploro
por uma pouca vela
que possa, no entanto,
derreter as ceras
das máscaras
desses gnomos dolorosos
que, veladamente, como sombras,
colam-se, feitas em dores,
à minha alma
e a embrutecem
propositadamente.
Como pode ser tão cruel
essa dor
a ponto de apagar em mim
a única luz que me restava?
Dai-me essa vela,
ó alumiosa Alegria,
antes que te batize
como o mais mentiroso
existir
durante todos os tempos.
E para que tal não aconteça
dize onde foi que pousaste
- mesmo que seja longe,
em terras que nunca vi -
as asas brilhantes
que te carregam sempre
a alhures longínquos
e distantes dos meus sítios
pantanosos e sombrios.
Vai de vez
se assim queres,
sem nada me dizer,
mas, por tudo...
Deixa-me cá com o obscuro
e não me venhas tentar
incandescer,
com teus piscares de estrelas;
nem enlouquecer,
de ânsias
diante de suposições
sobre tua existência.
Eu te enxoto,
como ao pior dos cães,
mas te açulo, no entanto,
a que proves,
por qualquer meio
ou através de qualquer álibi,
tua existência,
que arrenego.