Jogo de trevas
DOS ESCRITOS DE ANTÔNIO: AS ANGÚSTIAS DO POETA
III
Novo auto-retrato
Sou eu que sou o fantasma assomado;
sou o malassombro -
danado e sem destino -,
avoante em alheios pesadelos;
sou o pior de todos os pavores.
Tenho até sete cabeças e um só corpo!
Sou um urso de verdade;
sou o próprio medo que um dia há-de haver,
e que agora há em mim.
São sete os medos que inspiro,
e o faço porque eles são em mim
a recrudescência autotemerosa
dos maiores temores que existem.
Há o primeiro medo:
inspirado pela face da loucura,
ela é a que mais persegue
com seu visgo.
Nem há quem possa escapar dela.
Existe tanto de louco em todos vós...
Essa medonha face e ardilosa
desperta sempre
- Oh! descabida -
a parte em vós do desvario
e vos entrega,
mãos atadas,
ao caos inconsciente da Loucura.
E há o segundo medo:
que vos é dado pela segunda face.
Esta não vos persegue
mas reflete, calmamente,
de modo a que possais ver,
bem nítido,
o tamanho incomum de cada covardia
que existe em cada um de vós.
Já ouvi gritos alucinados
dos que olharam de perto essa segunda
e lá viram
nenhum Narciso,
mas outra covardia facial,
tão medonha quando a depenada,
que houvera recriado a refletida.
E há o terceiro medo:
é o medo danado e grandioso,
patenteado pela terceira face.
É cara, entre todas, mais medonha:
o rosto volteado e cheia de tramóias
a vida aí vos aparece
e anda desde que vós lhe apareçais
até quando a abandonareis
a vos atanazar,
cada segundo,
em busca, cruel,
e com olhos de condor,
de um qualquer meio
que destrua
cada vossa existência,
que rodeia.
E há o quarto medo:
é o medo entre todos mais estranho.
É comum a todos os viventes;
é destino certo inadiável.
E a certeza única – e de mãe viúva –
que a vós foi permitida pela vida,
mas que de vós será roubada sorrateiramente.
E a quarta face é, então,
a da pesada Morte e odienta;
inevitável
caveira barulhenta,
que de vós fará a vossa vida.
E há o quinto medo.
Entre os sete, é este o de mais força:
é que os outros todos se irmanam,
bem no centro deste aqui,
e cada um, assim fortalecido pelo outro,
ganha raiada e maior força –
há, então,
absoluta e completa inteireza.
É o medo cigano e desconfio do futuro;
a que, involuntários,
ides empurrados,
por cada movimento desse rodante mundo inquieto.
A quinta face é esgazeado símbolo
amedrontado,
do terror irascível e carteado
do futuro adventício.
E há o sexto medo:
o nascido da peleja secular
do Homem contra sua pequenez.
Máscara a vós presenteada
na hora já de vosso nascimento,
essa sexta cara há-de vos seguir,
obstinada e medrosamente,
dos pélagos às alturas radiantes,
a que supostamente chegareis.
E, zombando de vós e simplesmente,
lá nessas alturas radiantes,
mostrará a vós, despudorada,
o senho verdadeiro e imutável,
a que caiais de novo no vazio.
E há o sétimo medo:
é o medo bíblico do remorso;
e da nostalgia de um paraíso
- e também de um tempo mágico -
que, esvaídos pela vida, são desaparecidos.
E a face sétima e maldita
presente aqui, esvoaçante,
é o pior espinho e além de tudo
assevera, em cada passo que avançais,
as culpas, em cruz pesada de calvário,
do que fizestes e do que fareis.
Ou do que já fizeram,
e também do que farão vossos irmãos.
Agora vossa vez de imaginar:
ajuntai os sete medos,
lado a lado,
retirai desse mundo quase morto
o único pedaço que lhe resta.
Ao todo morto, anteponde os medos todos...
e tereis, assim, representado
o reino danado em que habito.
III
Novo auto-retrato
Sou eu que sou o fantasma assomado;
sou o malassombro -
danado e sem destino -,
avoante em alheios pesadelos;
sou o pior de todos os pavores.
Tenho até sete cabeças e um só corpo!
Sou um urso de verdade;
sou o próprio medo que um dia há-de haver,
e que agora há em mim.
São sete os medos que inspiro,
e o faço porque eles são em mim
a recrudescência autotemerosa
dos maiores temores que existem.
Há o primeiro medo:
inspirado pela face da loucura,
ela é a que mais persegue
com seu visgo.
Nem há quem possa escapar dela.
Existe tanto de louco em todos vós...
Essa medonha face e ardilosa
desperta sempre
- Oh! descabida -
a parte em vós do desvario
e vos entrega,
mãos atadas,
ao caos inconsciente da Loucura.
E há o segundo medo:
que vos é dado pela segunda face.
Esta não vos persegue
mas reflete, calmamente,
de modo a que possais ver,
bem nítido,
o tamanho incomum de cada covardia
que existe em cada um de vós.
Já ouvi gritos alucinados
dos que olharam de perto essa segunda
e lá viram
nenhum Narciso,
mas outra covardia facial,
tão medonha quando a depenada,
que houvera recriado a refletida.
E há o terceiro medo:
é o medo danado e grandioso,
patenteado pela terceira face.
É cara, entre todas, mais medonha:
o rosto volteado e cheia de tramóias
a vida aí vos aparece
e anda desde que vós lhe apareçais
até quando a abandonareis
a vos atanazar,
cada segundo,
em busca, cruel,
e com olhos de condor,
de um qualquer meio
que destrua
cada vossa existência,
que rodeia.
E há o quarto medo:
é o medo entre todos mais estranho.
É comum a todos os viventes;
é destino certo inadiável.
E a certeza única – e de mãe viúva –
que a vós foi permitida pela vida,
mas que de vós será roubada sorrateiramente.
E a quarta face é, então,
a da pesada Morte e odienta;
inevitável
caveira barulhenta,
que de vós fará a vossa vida.
E há o quinto medo.
Entre os sete, é este o de mais força:
é que os outros todos se irmanam,
bem no centro deste aqui,
e cada um, assim fortalecido pelo outro,
ganha raiada e maior força –
há, então,
absoluta e completa inteireza.
É o medo cigano e desconfio do futuro;
a que, involuntários,
ides empurrados,
por cada movimento desse rodante mundo inquieto.
A quinta face é esgazeado símbolo
amedrontado,
do terror irascível e carteado
do futuro adventício.
E há o sexto medo:
o nascido da peleja secular
do Homem contra sua pequenez.
Máscara a vós presenteada
na hora já de vosso nascimento,
essa sexta cara há-de vos seguir,
obstinada e medrosamente,
dos pélagos às alturas radiantes,
a que supostamente chegareis.
E, zombando de vós e simplesmente,
lá nessas alturas radiantes,
mostrará a vós, despudorada,
o senho verdadeiro e imutável,
a que caiais de novo no vazio.
E há o sétimo medo:
é o medo bíblico do remorso;
e da nostalgia de um paraíso
- e também de um tempo mágico -
que, esvaídos pela vida, são desaparecidos.
E a face sétima e maldita
presente aqui, esvoaçante,
é o pior espinho e além de tudo
assevera, em cada passo que avançais,
as culpas, em cruz pesada de calvário,
do que fizestes e do que fareis.
Ou do que já fizeram,
e também do que farão vossos irmãos.
Agora vossa vez de imaginar:
ajuntai os sete medos,
lado a lado,
retirai desse mundo quase morto
o único pedaço que lhe resta.
Ao todo morto, anteponde os medos todos...
e tereis, assim, representado
o reino danado em que habito.
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