sábado, setembro 02, 2006

Jogo de trevas

DO TESTAMENTO DE BRANCA

VI

Se aos vinte anos achei que fora já suficiente a ajuda que contra todos os meus princípios eu dera à encoberta causa de Ivã, hoje fico a pensar se eu não seria capaz de lhe ter salvado a alma e a de muitos que, fiéis a ele, deliberaram sozinhos por seguirem-no ao desconhecido, como acontecera sempre.
A dúvida que ainda me persegue é tanta e tão dolorosa, que peço a Deus todos os dias estar ela servindo já como paga de meus tão intensos pecados.
Mas a culpa que carrego é grande demais para minha purgação somente: ela é tão intensa e me fere tanto a punhaladas que, às vezes, tenho a impressão de ela me ter vindo apenas a embrutecer e a me abrir os olhos e o coração do meu corpo aos sofrimentos todos de todos os homens do mundo, que levianamente cegara até então.
Ah! como eu gostaria de saber quem me traçou tão amaldiçoado destino e supôs que eu o carregasse assim silenciosa e conformada. Não! Hei de morrer bradando a altas vozes a minha revolta perante o deus que encheu até rasgar de desespero meu coração.
Sim! ajudei ao Ivã conseguindo-lhe o dinheiro, mas estou convicta de que isso não foi bastante, apesar de ter rasgado cada pedaço de minha pessoa para o fazer. Ou quem sabe eu nem rasguei nada e repito isso incessantemente para perdoar o abandono à paixão em que caí? E para me perdoar a mim própria da idéia que me persegue?
O Mal sempre foi tão obsessivo à minha vontade e sempre me perseguiu tão veladamente e proximamente que tremo inteira só de pensar na simples possibilidade de lhe ter cedido terreno, ao menos uma vez.
Oh! céus, dai-me sossego nem que seja na morte...