sábado, setembro 02, 2006

Jogo de trevas

DO TESTAMENTO DE BRANCA

VII

Desde o dia da minha chegada ao sertão em 15 de dezembro de 1933 até o primeiro de janeiro de 1934 (data que mudou o rumo da minha vida para sempre), houve um acúmulo grande de acontecimentos e mal me levantava aqui do peso de um, já caía acolá com o de outro.
O medo era como uma espécie de onda, que vinha e ia, cada vez mais forte. Tudo beneficiou o que me aconteceu aos 24 de dezembro: o clima de medo; a tensão; as comemorações da noite de Natal...
Gastei todo o dia a pensar na visita ao homem do dinheiro. A todo instante a lembrança me assaltava, de modo que, quando a noite chegou, veio-me a impressão de que a esperava há muito tempo já.
Nem eu mesma posso até hoje explicar o que me fazia ficar tão excitada. Eu não conseguira durante todo o dia sequer relaxar meu corpo tenso. Minha agitação era enorme e à noite ela ainda mais aumentou, para susto meu.
Às nove horas do dia 24 eu pedi permissão à minha mãe para ir-me deitar e ela a deu. Meu pai se encontrava bastante alegre e bebia em companhia de seus amigos. Falara durante todo o jantar de suas últimas vitórias políticas e tenho até a impressão de que eles comemoravam qualquer coisa que me era desconhecida. Brindaram toda a noite às políticas lá dos sertões e posso até dizer que o fantasma do enforcado nem de longe os assustava. A mim, no entanto, ele continuava a apavorar e fui incapaz de qualquer alegria durante todo o dia e também durante todo o período desde o dia 16 até muito depois, durante meses inteiros. Também brindei nem sei a quê e mecanicamente bebi alguns goles, que me deixaram assim ansiosa, descuidada e tonta.
Tranquei-me durante alguns minutos no meu quarto e, depois de me certificar de que ninguém subiria mais, entretidos que estavam lá na festa, escapuli-me pela janela e parti pela noite em procura do homem.