Jogo de trevas
DOS PRÓLOGOS DOS ESCRITOS DE ANTÔNIO
I
Ousadia
Não tenho qualquer certeza sobre o caso desse meu mais novo pecado, isto é, se serei ou não perdoado por tão grande ousadia. Mas, no entanto, outra eu tenho: a de que há uma certa santidade nos terrenos da Arte, e pobre daquele que a quebrar! Estou totalmente cônscio de que cometo uma grande falta em intrometer minha tão confusa e perdida pessoa dentro de tal lago de pureza e arrebatamento e além de tudo o macular propositadamente. Mas, por mais que eu tenha tentado controlar minhas mãos, elas teimam em escrever; por mais que eu tenha tentado fugir de minhas idéias e da minha alma, o meu cérebro permanece trabalhando e maginando e relembrando...
Não estou bem certo de quem poderá ser essa pessoa aqui que, mesmo muito perdida, obstina-se em querer se redimir e encontrar a Paz. Sei apenas que sou um Antônio qualquer cuja Paz foi brutalmente roubada pelo Espírito danado de uma grande cidade. E sinto-me pequeno exatamente porque estou continuamente me comparando a essa grandiosidade falsificada e destituída de qualquer beleza, que é o mundo em que vivo: ambiente pobre e sujo, cujos habitantes têm uma só consciência – a da própria pobreza e miséria. Eu tenho, no entanto, uma outra – a da minha pequena insignificância que diariamente baixa a fronte diante de uma imagem comprada já com o intuito de a mim representar a grande cidade que cada dia mais me engole e sufoca. É uma imagem de Cristo em grande sofrimento e ela simboliza tão bem todos os meus pesares diante da vida, que não pude resistir ao impulso de comprá-la depois que a vi pela primeira vez. É, pois, um temor misturado com um amor pesaroso e penalizado, o sentimento que experimento com relação à alma louca dessa cidade dos recifes.
Não faço idéia sobre o que irei ou não falar. O meu coração, só ele próprio o sabe e imagina. No tocante ao fato da memória, no entanto, ele não interfere, tão destituído está de outro sentimento diferente do medo. É meu cérebro que, então, toma o seu lugar e age em detrimento do maltratado coração que, indubitavelmente, já não agüenta a memória de certas pessoas, fatos e sentimentos que, apesar de passados, insistem em voltar sempre e sempre. Ah! se Deus me desse forças para suportar essa grande carga que se me impôs! Sinto-me, entretanto, fraco e destituído de qualquer vontade de reviver e, ao mesmo tempo, de refazer toda a minha vida. Além do fato mais grave de todos: é que não me sinto suficientemente preparado para abarcar toda a grandiosidade do Espírito incomensurável da Arte que durante toda a minha vida tentou e rondou a alma e a vontade.
Por outro lado, sinto-me vazio depois de quaisquer duas ou três palavras que escrevo. Mas é preciso me encher e rezar para que tudo dê certo. É preciso. É preciso. Sinto-me, no entanto, como um autômato que depois de toda uma vida de preparação, de repente resolve cumprir o destino que lhe foi imposto, mas que ao mesmo tempo tem medo de o enfrentar.
E há ainda a força do sangue que me impulsiona no grande e primeiro mergulho em direção ao verdadeiro mundo do qual estive sempre fugindo através de incontáveis leituras e infindáveis sonhos de um Universo perfeito. Sim, digo força do sangue porque descobri que também minha mãe resolveu, pelo fim de sua vida, contar histórias e reviver a sua longa e penosa existência. Ela deixou a mim (e assim eu deixarei aos meus filhos) as suas histórias fantásticas que me fascinaram durante longo tempo e que me obrigam, de certa maneira, a parir também as minhas e fazer às dela concorrência.
Assim se juntam essa força e a minha necessidade de remissão para a feição dessas histórias que se seguem. E que seja eu perdoado, peço como minha mãe.
I
Ousadia
Não tenho qualquer certeza sobre o caso desse meu mais novo pecado, isto é, se serei ou não perdoado por tão grande ousadia. Mas, no entanto, outra eu tenho: a de que há uma certa santidade nos terrenos da Arte, e pobre daquele que a quebrar! Estou totalmente cônscio de que cometo uma grande falta em intrometer minha tão confusa e perdida pessoa dentro de tal lago de pureza e arrebatamento e além de tudo o macular propositadamente. Mas, por mais que eu tenha tentado controlar minhas mãos, elas teimam em escrever; por mais que eu tenha tentado fugir de minhas idéias e da minha alma, o meu cérebro permanece trabalhando e maginando e relembrando...
Não estou bem certo de quem poderá ser essa pessoa aqui que, mesmo muito perdida, obstina-se em querer se redimir e encontrar a Paz. Sei apenas que sou um Antônio qualquer cuja Paz foi brutalmente roubada pelo Espírito danado de uma grande cidade. E sinto-me pequeno exatamente porque estou continuamente me comparando a essa grandiosidade falsificada e destituída de qualquer beleza, que é o mundo em que vivo: ambiente pobre e sujo, cujos habitantes têm uma só consciência – a da própria pobreza e miséria. Eu tenho, no entanto, uma outra – a da minha pequena insignificância que diariamente baixa a fronte diante de uma imagem comprada já com o intuito de a mim representar a grande cidade que cada dia mais me engole e sufoca. É uma imagem de Cristo em grande sofrimento e ela simboliza tão bem todos os meus pesares diante da vida, que não pude resistir ao impulso de comprá-la depois que a vi pela primeira vez. É, pois, um temor misturado com um amor pesaroso e penalizado, o sentimento que experimento com relação à alma louca dessa cidade dos recifes.
Não faço idéia sobre o que irei ou não falar. O meu coração, só ele próprio o sabe e imagina. No tocante ao fato da memória, no entanto, ele não interfere, tão destituído está de outro sentimento diferente do medo. É meu cérebro que, então, toma o seu lugar e age em detrimento do maltratado coração que, indubitavelmente, já não agüenta a memória de certas pessoas, fatos e sentimentos que, apesar de passados, insistem em voltar sempre e sempre. Ah! se Deus me desse forças para suportar essa grande carga que se me impôs! Sinto-me, entretanto, fraco e destituído de qualquer vontade de reviver e, ao mesmo tempo, de refazer toda a minha vida. Além do fato mais grave de todos: é que não me sinto suficientemente preparado para abarcar toda a grandiosidade do Espírito incomensurável da Arte que durante toda a minha vida tentou e rondou a alma e a vontade.
Por outro lado, sinto-me vazio depois de quaisquer duas ou três palavras que escrevo. Mas é preciso me encher e rezar para que tudo dê certo. É preciso. É preciso. Sinto-me, no entanto, como um autômato que depois de toda uma vida de preparação, de repente resolve cumprir o destino que lhe foi imposto, mas que ao mesmo tempo tem medo de o enfrentar.
E há ainda a força do sangue que me impulsiona no grande e primeiro mergulho em direção ao verdadeiro mundo do qual estive sempre fugindo através de incontáveis leituras e infindáveis sonhos de um Universo perfeito. Sim, digo força do sangue porque descobri que também minha mãe resolveu, pelo fim de sua vida, contar histórias e reviver a sua longa e penosa existência. Ela deixou a mim (e assim eu deixarei aos meus filhos) as suas histórias fantásticas que me fascinaram durante longo tempo e que me obrigam, de certa maneira, a parir também as minhas e fazer às dela concorrência.
Assim se juntam essa força e a minha necessidade de remissão para a feição dessas histórias que se seguem. E que seja eu perdoado, peço como minha mãe.
2 Comments:
Suas palavras sao lindas!
amo te ouvir e ler suas coisas
beijao!
corrigindo.
amo ouvir e ler tuas coisas
beijao.
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