Identidade e nacionalismo: des-construção
A questão da identidade nacional brasileira é difícil. Se, na Europa, esse tema se construiu sobre tradições populares ancestrais, no Brasil, por falta delas, ele foi, inicialmente, lapidado em cima de um passado inventado pelos escritores do Romantismo, de modo idealizado.
A conjunção harmoniosa de índios, negros e europeus, a sobreposição de valores, a construção do herói modelar, o triunfo do Bem são, na realidade, a repetição ingênua dessa identidade forjada e, portanto, falhada.
É nesse ponto que começa o “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto, um livro que revela não só o engodo do projeto criado pelos escritores românticos, mas também a dificuldade de articulação de um conceito de identidade nacional do país.
Policarpo Quaresma é, antes de tudo, nacionalista. Ama o Brasil acima de si próprio e de si próprio abriu mão para viver em prol do engrandecimento da pátria. Estudou com afinco o país, acreditando piamente nos livros de sua biblioteca, que o narrador refere como romântica, e, cotidianamente, chega à repartição pública onde trabalha com uma excelência da geografia brasileira, comportamento ironizado pelos companheiros de trabalho. Longe da realidade, começa a construir projetos de brasilidade.
O primeiro, baseado em suas leituras, é montado sobre a cultura do índio, elemento usado no Romantismo como símbolo de identidade nacional, já que aqui estava ainda antes de o português chegar. Foi seu primeiro erro. Nem seus amigos compreenderam sua tentativa: Lima Barreto marca o “estranhamento” da conjunção cultural e ética proposta pelos escritores românticos, quando confrontada com a realidade. O hospício é a natural conseqüência.
Então Lima Barreto desiste de aproximar identidade nacional de identidade cultural e étnica, partindo para o engrandecimento da Pátria por meio de um projeto agrícola científico esfacelado pela realidade: saúvas, tiriricas, pragas, dificuldade de comercialização, oportunismo político, questões fundiárias... O segundo projeto queda frustrado também.
Policarpo não desiste. Seu terceiro plano é a esfera política, o centro das decisões: resolve, além de entregar a Floriano Peixoto um memorial cujo tema é a salvação nacional, engajar-se ao lado da ordem republicana contra a Revolta da Armada, que a ameaçava. Não via ele que a República amordaçava o povo com a morte quando esse se rebelava contra a marginalização de que era vítima.
No entanto, essa realidade era tão forte que, por maior que fosse o sonho de Policarpo, ela terminou por vir à tona: a ordem republicana vitoriosa, indiscriminadamente, pune a todos que ousam discordar dela e, de tão arbitrária, alcançou Policarpo, que a defendia. Seu terceiro projeto foi atropelado pela realidade.
Pobre Policarpo Quixote Quaresma! Na sua trajetória, foi obrigado a ver as feridas e as mazelas brasileiras, seu conceito idealizado de Pátria morreu com ele. E, agora, o que é Nacionalismo?
Lima Barreto, simbolicamente, aponta as engrenagens da História: Pátria, ao fim e ao cabo, é uma construção, não um sonho; é um processo de enfrentamento da realidade, não de idealismo. Amar a Pátria significa participar da criação de todos, para todos.
Policarpo Quaresma está vivo dentro dos que querem um país que abrigue todos os brasileiros.
A conjunção harmoniosa de índios, negros e europeus, a sobreposição de valores, a construção do herói modelar, o triunfo do Bem são, na realidade, a repetição ingênua dessa identidade forjada e, portanto, falhada.
É nesse ponto que começa o “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto, um livro que revela não só o engodo do projeto criado pelos escritores românticos, mas também a dificuldade de articulação de um conceito de identidade nacional do país.
Policarpo Quaresma é, antes de tudo, nacionalista. Ama o Brasil acima de si próprio e de si próprio abriu mão para viver em prol do engrandecimento da pátria. Estudou com afinco o país, acreditando piamente nos livros de sua biblioteca, que o narrador refere como romântica, e, cotidianamente, chega à repartição pública onde trabalha com uma excelência da geografia brasileira, comportamento ironizado pelos companheiros de trabalho. Longe da realidade, começa a construir projetos de brasilidade.
O primeiro, baseado em suas leituras, é montado sobre a cultura do índio, elemento usado no Romantismo como símbolo de identidade nacional, já que aqui estava ainda antes de o português chegar. Foi seu primeiro erro. Nem seus amigos compreenderam sua tentativa: Lima Barreto marca o “estranhamento” da conjunção cultural e ética proposta pelos escritores românticos, quando confrontada com a realidade. O hospício é a natural conseqüência.
Então Lima Barreto desiste de aproximar identidade nacional de identidade cultural e étnica, partindo para o engrandecimento da Pátria por meio de um projeto agrícola científico esfacelado pela realidade: saúvas, tiriricas, pragas, dificuldade de comercialização, oportunismo político, questões fundiárias... O segundo projeto queda frustrado também.
Policarpo não desiste. Seu terceiro plano é a esfera política, o centro das decisões: resolve, além de entregar a Floriano Peixoto um memorial cujo tema é a salvação nacional, engajar-se ao lado da ordem republicana contra a Revolta da Armada, que a ameaçava. Não via ele que a República amordaçava o povo com a morte quando esse se rebelava contra a marginalização de que era vítima.
No entanto, essa realidade era tão forte que, por maior que fosse o sonho de Policarpo, ela terminou por vir à tona: a ordem republicana vitoriosa, indiscriminadamente, pune a todos que ousam discordar dela e, de tão arbitrária, alcançou Policarpo, que a defendia. Seu terceiro projeto foi atropelado pela realidade.
Pobre Policarpo Quixote Quaresma! Na sua trajetória, foi obrigado a ver as feridas e as mazelas brasileiras, seu conceito idealizado de Pátria morreu com ele. E, agora, o que é Nacionalismo?
Lima Barreto, simbolicamente, aponta as engrenagens da História: Pátria, ao fim e ao cabo, é uma construção, não um sonho; é um processo de enfrentamento da realidade, não de idealismo. Amar a Pátria significa participar da criação de todos, para todos.
Policarpo Quaresma está vivo dentro dos que querem um país que abrigue todos os brasileiros.
10 Comments:
Parabéns pelo blog e pelo talento!!!! Teus textos estao lindos!
Li no outro post que tu nasceste no dia 27 de agosto de 1957. Eu nasci em 26 de agosto de 1957. Somos quase-gêmeas!
Estou de volta. Muita gente continua com dificuldade de mandar comentários. Sob a orientação de uma aluna, Gabriela Pires, tentei mudar a configuração original e liberar para todos (anônimos inclusive) o direito de enviar mensagens. Não sei se acertei...
Minha primeira impressão é de um vôo... um vôo da palavra com a palavra.
Flávia SUA e aSSUme um espaço dela muito nosso.
Abraços de um mais novo admirador,
Robson Teles.
Normanda, querida:
Seria possível você me enviar as questões que você armou a partir do meu texto? Quando Débora me falou, eu fiquei morta de curiosidade. Não se preocupe caso não seja possível, que eu entendo. Beijos, Flávia.
Querida Flávia
É um prazer atender ao seu pedido. Adoro os seus textos: além de lindos, inspiram o nosso trabalho em sala de aula. Tenho recomendado a alunos e colegas. Sobre a prova, tratava-se de um concurso para professor de português do ensino médio (Escola Agrotécnica Federal de Barreiros). Era uma prova com duas questões discursivas cujos tópicos foram sorteados uma hora antes da prova. Assim, precisei elaborar uma questão pra cada tópico do programa. Achei que seria ótimo para o candidato ter à mão textos que facilitassem a
reflexão sobre os tópicos ou mesmo a aplicação de certos conceitos. (Pense num trabalhão!!)
Assim, para o tópico "Prosa romântica brasileira em José de Alencar", disponibilizei dois fragmentos de textos de seu blog. Infelizmente esse tópico não esteve entre os sorteados.
ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE BARREIROS
CONCURSO PÚBLICO PARA PROFESSOR
LÍNGUA PORTUGUESA
ETAPA 1: PROVA ESCRITA
I. TÓPICOS ESPECÍFICOS DE LÍNGUA E LITERATURA
3.4 Prosa romântica brasileira: José de Alencar.
Texto(s)
QUESTÃO 1
Escreva um texto expositivo sobre o projeto literário nacionalista de José de Alencar, incluindo uma análise do papel desse “passado inventado pelos escritores do Romantismo”, na construção de uma identidade cultural brasileira.
Acrescente ao seu texto referências sobre o contexto histórico e uma apreciação sobre a metáfora representada no desfecho do relacionamento amoroso entre a índia tabajara Iracema e o português Martim.
Os textos disponibilizados podem servir de auxílio para a sua reflexão.
Texto(s)
(I)
Identidade e nacionalismo: des-construção
A questão da identidade nacional brasileira é difícil. Se, na Europa, esse tema se construiu sobre tradições populares ancestrais, no Brasil, por falta delas, ele foi, inicialmente, lapidado em cima de um passado inventado pelos escritores do Romantismo, de modo idealizado.
A conjunção harmoniosa de índios, negros e europeus, a sobreposição de valores, a construção do herói modelar, o triunfo do Bem são, na realidade, a repetição ingênua dessa identidade forjada e, portanto, falhada.
SUASSUNA, Flávia. Disponível em http://fsuassuna.blogspot.com Acessado em 21/07/2006.
(II)
Iracema, de José de Alencar: globalização x nação
Já se disse que um bom livro não é aquele que a gente lê; mas o que lê a gente. “Iracema”, de José de Alencar, lê o Brasil e o brasileiro atual de forma lúcida e, mais de cem anos depois, ainda pertinente. É um livro polêmico, como não poderia deixar de ser uma obra de um autor polêmico como Alencar: alguns podem deter-se ainda diante da hipertrofia imagística ou lingüística, mas um leitor maduro percebe sua contribuição valiosa para uma questão que se nos aparece em tempos de globalização: a da identidade cultural.
SUASSUNA, Flávia. Iracema, de José de Alencar: globalização x nação.
Disponível em http://fsuassuna.blogspot.com Acessado em 21/07/2006.
cara Flavia,
em recente conversa com meus amigos Manoel Affonso de Mello e Izabella soube um pouco de seu talento e pelo blog pude ver isso em concretude.
Fui incubida de lhe deixar uma mensagem em nome deles - encantados com você: 1º) estiveram de mudança 2º) continuam sem acesso a internet e 3º) estão constrangidissimos em não haver respondido às suas solicitações.
Enfim - agora eles conseguiram o seu telefone e pretendem contactá-la em breve. Aguarde noticias !
grata,
Alessandra Vidal
cara Flavia,
em recente conversa com meus amigos Manoel Affonso de Mello e Izabella soube um pouco de seu talento e pelo blog pude ver isso em concretude.
Fui incubida de lhe deixar uma mensagem em nome deles - encantados com você: 1º) estiveram de mudança 2º) continuam sem acesso a internet e 3º) estão constrangidissimos em não haver respondido às suas solicitações.
Enfim - agora eles conseguiram o seu telefone e pretendem contactá-la em breve. Aguarde noticias !
grata,
Alessandra Vidal
9:55 PM
Flavia estou lendo seu blog pela primeira vez e estou adorando. O seu blog é coerente com as suas aulas. Em todas elas sempre vem aquele gostinho de "quero mais", aquela sensação de leveza, sabe!?.
Nós brasileiros temos essa deficiência de ser patriota(a não ser em copa mundial), não sabemos que somos um povo forte, com uma miscigenação e diversidade cultaral de dar inveja a muitos países. É isso que nos faz ímpar, mas com tantas dificuldades, com tantas barreiras que nós brasileiros encontramos na vida, nos fazem perder o amor à Pátria, como na maioria das vezes essas barreiras são mais fortes, nos acomodamos, e isso nos faz aceitar coisas que vão de encontro as nossas ideias. Foi isso que aconteceu com Policarpo, o seu ufanismo endeusava tanto a Patria, que o fez cegar para a realidade e as barreiras pouco a pouco cavava a moradia eterna das suas ideias nacionalistas.
Parabéns! Adorei o blog, podes ter certeza que terás um leitor assiduo.
Rafael Andrade
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