sábado, setembro 02, 2006

Jogo de trevas

DOS ESCRITOS DE ANTÔNIO: AS ANGÚSTIAS DO POETA

VII

Primeira elegia ou a morte de Ivã

O Destino traçou:
no grande palco do medo,
a claridade cá dentro
avistara já lá fora,
confundidos, Ivãs e negrumes da noite.
A Branca-claridade – a que estava
cá dentro a misturar-se com luzes e
alegrias da festa –
sai a abraçar emocionada aquele que
cá fora acabara de chegar.
O tiro (com sua luz,
que se confundia com a da lua;
e com seus ruídos,
misturados com o cântico)
apagou como sempre os mistérios escuros da vida,
provando assim com dor
que Ivã estava certo
e não louco:
corpo branco,
vestido de alvura mais branca ainda
manchava-se de um encarnado sangrento,
esvaído do preto abraçado com carinho.
Tirou-se, então, a máscara teatral
da alegria, e
o corpo que antes corria,
cheio de luminosa alegria,
agora parava, abraçante,
diante do negrume ferido
e gemente que lhe caíra aos pés.
O grito ainda saía-lhe e,
novamente, o pássaro falou.
Ave agourenta,
que sozinha lá continuou
a servir de carpideira,
enquanto cá – lugar de caos luminoso
escurecido –
já alguém roubava da brancura,
(agora rubra),
o pedaço negro-e-rubro de sua alma.

VIII

Segunda elegia ou a Ivã

Ai, sombra de mim mesmo
que na própria sombra se perdeu.
Deixou loucas palavras?
que maltratam
e frisam e lembram
a nossa nulidade
diante das oprimentes grandiosidades
dos Eternos Mistérios.

Sombra danada
cuja vida com a minha não mirei,
mas que faz parte do meu sangue:
lá nele sombra e rubro
se misturam
em forças de Satã;
e cá em mim as sombras são maiores,
não há dúvida.

Sombra da noite eterna foi Ivã;
noite terrível e
prolongada
na qual viveu assustado
por tantos séculos,
tempos imemoriados de torturas infindadas.

Que viva lá
outra mais clara vida
o meu tão obscuro Ivã,
perto de Aquele
cuja também loucura
o trouxe à morte.