Retratos da vida, de Claude Lelouch
Revi recentemente o “Retratos da vida”, de Claude Lelouch, e tomei três sustos.
O primeiro foi me lembrar como o filme é tocante, como costumam ser as histórias interrompidas pela guerra que a Europa não cansa de contar e que acordam na gente aqueles imperativos de suplantação escondidos no mais recôndito de nós mesmos e que acessamos quando tudo parece perdido.
Na verdade, usando Drummond, uma guerra é daquelas “exigências brutas” da vida depois das quais nunca mais somos os mesmos. E esse filme vai contando aos poucos as escolhas de várias personagens diante da situação extrema de uma guerra que envolveu o mundo todo e que despedaçou para sempre as certezas do século XIX.
É que o século XIX construiu uma espécie de esperança na matéria, na ciência e na tecnologia. E essa certeza ruiu com a chegada dessa guerra, que nos mostrou que a ciência e a técnica são uma faca cuja lâmina pode também ferir.
O século XX sabe dessa faca fria que ceifou tantas vidas e tantos sonhos e é por isso que quem sofreu essa guerra em carne viva ainda precisa muito falar sobre suas seqüelas.
O “Retratos da vida” pega esse tema duro que destruiu não só os parâmetros do século XIX, mas também o que podia restar de pureza e complacência nas relações humanas e o desenvolve de maneira lúcida e embebida de poesia.
Ao fundo, ouve-se o “Bolero de Ravel”, que dá uma sensação bipartida entre abismo e salvação, já que ele parece sempre recomeçar, verbo inescapável quando uma guerra finda. Recomeçar de outra forma, para ser mais clara, pois a guerra muda tudo. Visto a roupa de quem sobrevive e sinto remorso por estar viva, ou responsabilidade por ter em minhas mãos “o legado de nossa miséria” ou da nossa fortuna para transmitir.
O “Bolero de Ravel” também nos ajuda a ver como todas as histórias são iguais... e diferentes, nos tons, nos volumes... Algumas vidas são mais leves; outros de nós temos vidas densas e pesadas... O tempo é uma mola espiralada de voltas semelhantes ou diversas?
Os mesmos atores fazem o papel de avô, pai e filho, às vezes, recontando essas nossas histórias entrelaçadas ou dizendo de outra forma como somos o desejo de nossos ancestrais e não somos, ao mesmo tempo, porque também somos o que queremos ser. Cada um de nós tem uma história única que, atrelada à de outras pessoas, exige ser narrada.
O segundo susto é de inveja do cinema, que é capaz de mostrar num segundo uma página inteira de exaustiva elaboração lingüística. O “Retratos da vida” é único naquilo que o cinema tem dele mesmo – imagem pura, às vezes sem palavras, que traduz tudo. O DNA do século XX é a imagem, e revejo perdida a palavra como tradutora desse tempo. Minha vingança é este papel e este lápis baratos com que escrevo este texto.
O terceiro susto foi o pior: onde ficou perdida, entre a década de oitenta e hoje, a esperança na arte como ponto de encontro e porta de saída? Como ousamos esquecer que nossa humanidade, que dispõe do que nos humaniza, nos move uns para os outros e uns pelos outros, como os círculos concêntricos do “Bolero de Ravel”? Como fomos aos poucos nos perdendo uns dos outros e da idéia de que há um “algo” que planeja nossos encontros? Que maldita ampulheta prendeu e sufocou em sua areia a idéia da arte como caminho que nos faz saber ser, fazer o que somos – abrigos uns dos outros?
O primeiro foi me lembrar como o filme é tocante, como costumam ser as histórias interrompidas pela guerra que a Europa não cansa de contar e que acordam na gente aqueles imperativos de suplantação escondidos no mais recôndito de nós mesmos e que acessamos quando tudo parece perdido.
Na verdade, usando Drummond, uma guerra é daquelas “exigências brutas” da vida depois das quais nunca mais somos os mesmos. E esse filme vai contando aos poucos as escolhas de várias personagens diante da situação extrema de uma guerra que envolveu o mundo todo e que despedaçou para sempre as certezas do século XIX.
É que o século XIX construiu uma espécie de esperança na matéria, na ciência e na tecnologia. E essa certeza ruiu com a chegada dessa guerra, que nos mostrou que a ciência e a técnica são uma faca cuja lâmina pode também ferir.
O século XX sabe dessa faca fria que ceifou tantas vidas e tantos sonhos e é por isso que quem sofreu essa guerra em carne viva ainda precisa muito falar sobre suas seqüelas.
O “Retratos da vida” pega esse tema duro que destruiu não só os parâmetros do século XIX, mas também o que podia restar de pureza e complacência nas relações humanas e o desenvolve de maneira lúcida e embebida de poesia.
Ao fundo, ouve-se o “Bolero de Ravel”, que dá uma sensação bipartida entre abismo e salvação, já que ele parece sempre recomeçar, verbo inescapável quando uma guerra finda. Recomeçar de outra forma, para ser mais clara, pois a guerra muda tudo. Visto a roupa de quem sobrevive e sinto remorso por estar viva, ou responsabilidade por ter em minhas mãos “o legado de nossa miséria” ou da nossa fortuna para transmitir.
O “Bolero de Ravel” também nos ajuda a ver como todas as histórias são iguais... e diferentes, nos tons, nos volumes... Algumas vidas são mais leves; outros de nós temos vidas densas e pesadas... O tempo é uma mola espiralada de voltas semelhantes ou diversas?
Os mesmos atores fazem o papel de avô, pai e filho, às vezes, recontando essas nossas histórias entrelaçadas ou dizendo de outra forma como somos o desejo de nossos ancestrais e não somos, ao mesmo tempo, porque também somos o que queremos ser. Cada um de nós tem uma história única que, atrelada à de outras pessoas, exige ser narrada.
O segundo susto é de inveja do cinema, que é capaz de mostrar num segundo uma página inteira de exaustiva elaboração lingüística. O “Retratos da vida” é único naquilo que o cinema tem dele mesmo – imagem pura, às vezes sem palavras, que traduz tudo. O DNA do século XX é a imagem, e revejo perdida a palavra como tradutora desse tempo. Minha vingança é este papel e este lápis baratos com que escrevo este texto.
O terceiro susto foi o pior: onde ficou perdida, entre a década de oitenta e hoje, a esperança na arte como ponto de encontro e porta de saída? Como ousamos esquecer que nossa humanidade, que dispõe do que nos humaniza, nos move uns para os outros e uns pelos outros, como os círculos concêntricos do “Bolero de Ravel”? Como fomos aos poucos nos perdendo uns dos outros e da idéia de que há um “algo” que planeja nossos encontros? Que maldita ampulheta prendeu e sufocou em sua areia a idéia da arte como caminho que nos faz saber ser, fazer o que somos – abrigos uns dos outros?
6 Comments:
Lindo lindo, linda!
beijao.
Flávia
você disse tudo aquilo que este filme sempre despertou em mim, e eu não sabia
Obrigada por isto !!!
abraço carinhoso
Rosário
(ainda não sei como entrar com senha)
flaviaaa!!! to lendo seu blog!!!! adorei como adoro tudo o que a senhora faz!!! (me refiro a seus filhotes..um mais lindo que o outro!!!)hehehehehe!!!!!
bjos enormeees!
Flávia!! Amei suas colocações! O q não é uma novidade já q sou sua aluna e AMO suas aulas. Só acho q quem apenas lê os seus textos está perdendo a melhor parte de vê-la falando pessoalmente: a sua convicção, o seu positivismo...Você é uma grande artista Flávia! Já pensou em fazer um Talk Show falando sobre como não somos guinus?
BJS
Excelente artigo. Sim, esquecemos que somos abrigo uns dos outros. Estamos todos irremediavelmente perdidos numa floresta escura chamada INSENSIBILIDADE.
Adorei seu post. Seu blog. Virei fã!
Abraços, e obrigada!
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