Chá de rolha - 5
Sou feliz possuidora de três irmãs.
Afora aquelas histórias difíceis que todos temos, mas que vão passando graças às tranças, à psicanálise e a uma compreensão mais larga que a idade traz, tê-las é como ser dona de um tesouro.
A mais velha das três é uma figura aprumada e acadêmica. Se lembra de tudo que ouve, narra tudo com detalhes hilários, e seu espírito ordeiro lhe dá a competência exigida para a tarefa que escolheu – trabalha no curso de Letras, ensinando didática da língua portuguesa.
Não sei direito como explicar a população de professores de português per capita na nossa família: dos cinco filhos, três são professoras de português, nunca vi uma coisa dessas!
Essa irmã me ensinou que ser tia biológica é igual a ser tia adotiva, achei isso o máximo!
Eu deveria ter sido aluna dela, para ver se gerenciava melhor as minhas aulas, que são a coisa mais desarrumada que já vi, mas não tive a sorte.
Com a segunda, minha diretora do Departamento de Marketing e Digitação (e etc., é bom frisar), abri recentemente um curso de português para o vestibular.
Estamos apavoradas! Somos empresárias falidas de um curso no qual ninguém se matricula (exceto algumas almas, é bem verdade).
Tentamos fazer análises do mercado, mas não conseguimos; só ficamos enfurecidas quando chegamos à conclusão de que a palavra “mercado” substituiu a palavra “sociedade”.
Também estamos surpresas com a realidade do ensino médio aqui no Recife – concluímos que os alunos passarão direto do nível fundamental para o superior e não entendemos nada, mas de uma coisa temos certeza: nós duas fecharemos as portas da última escola de ensino médio que existir na cidade.
Tá certo que precisamos aumentar o número de alunos no ensino superior, mas assim também é demais: imitando alguém, talvez Oscar Wilde, digo que há sempre uma solução fácil (e errada) para um grande problema. Ôxi!, quem já viu uma doidice dessas...
Aí fico pensando... E o menino vai chegar ao ensino superior sem saber ler e escrever, sem a aquisição das habilidades correspondentes? Fico animada, ele vem, ou voltará, mas... e até lá?
Nosso curso seria bem legal – uma revisão de literatura e gramática e uma ênfase em redação e interpretação para apenas quinze alunos, com atendimento personalizado. Por enquanto, o que pode nos salvar seria começar em março, adiando um pouco a data prevista. Ai ai ai!
Então fico na dúvida se devemos dançar uma coreografia grega (à la Zorba) ou um tango argentino (à la Bandeira)...
Outro dia eu disse a ela, a não sei que propósito:
− Temos um problema econômico.
− Ô, se você não me dissesse, eu nem notaria, ela retrucou.
E rimos muito e mais ainda quando descobrimos que já recebemos um cheque sem fundos.
Sei não... Acho que esse povo está se bronzeando demais nas praias; depois dos quarenta é que a gente descobre que não deve fazer isso... Deviam voltar, que a vida não é moleza, é preciso estudar e ralar muito para garantir as contas.
Só tenho medo de nossos alunos gastarem, nas férias, o dinheiro das matrículas com o qual precisamos fazer ajustes de toda sorte, de hidráulicos a dermatológicos. Ai ai ai!
Essa irmã tem uma trajetória bonita: achava que seria feliz em São Paulo e, tentando ler “O homem; as viagens” de Drummond (e ler também é ler-se), foi, aos poucos, aprendendo a “com-viver” e, hoje, apesar das cicatrizes, é um belo espécime de ser social.
Tem um apego diferente às narrativas: é capaz de perder um papo para ver ou rever um filme e se lembra de detalhes e minúcias que cita e recita a toda hora.
A terceira irmã é a mais parecida comigo fisicamente e a mais diferente psicologicamente: é prática, rápida e sempre tem muitas coisas a resolver e... resolve! Eu vivo dizendo: se eu tivesse um terço do que ela tem que fazer, iria para um sanatório de doentes mentais rapidinho.
Justiça seja feita – ela me ajuda muito a resolver minhas coisas, porque sou péssima nisso. Aliás, eu acho minhas irmãs ótimas, mas acho que elas não podem dizer o mesmo de mim. Passam a vida me ajudando, e eu, nada.
Depois eu conto (no segundo setênio) como não sou a irmã mais velha, sendo; fiz uma confusão tão grande que endoidei a família e ainda não me curei disso: recentemente, pedi a minha irmã mais nova que fosse minha mãe e ela me mandou para um lugar bem feio. Bem feito!
Meu consolo é que fui cozinhar um jantarzinho na casa de uma delas depois de uma briguinha básica no Hiper Casa Forte pela inserção de meu filho com necessidades especiais, e a comida deu certo. Minha irmã disse que, pelo menos nesse dia, eu tinha feito tudo certo! Saí exultante, cedo, e fui dormir logo, porque já se sabe... Eu, acordada, sou um perigo e podia botar tudo a perder...
Normanda tem razão: uma pessoa como eu, só com três anjos da guarda...
Afora aquelas histórias difíceis que todos temos, mas que vão passando graças às tranças, à psicanálise e a uma compreensão mais larga que a idade traz, tê-las é como ser dona de um tesouro.
A mais velha das três é uma figura aprumada e acadêmica. Se lembra de tudo que ouve, narra tudo com detalhes hilários, e seu espírito ordeiro lhe dá a competência exigida para a tarefa que escolheu – trabalha no curso de Letras, ensinando didática da língua portuguesa.
Não sei direito como explicar a população de professores de português per capita na nossa família: dos cinco filhos, três são professoras de português, nunca vi uma coisa dessas!
Essa irmã me ensinou que ser tia biológica é igual a ser tia adotiva, achei isso o máximo!
Eu deveria ter sido aluna dela, para ver se gerenciava melhor as minhas aulas, que são a coisa mais desarrumada que já vi, mas não tive a sorte.
Com a segunda, minha diretora do Departamento de Marketing e Digitação (e etc., é bom frisar), abri recentemente um curso de português para o vestibular.
Estamos apavoradas! Somos empresárias falidas de um curso no qual ninguém se matricula (exceto algumas almas, é bem verdade).
Tentamos fazer análises do mercado, mas não conseguimos; só ficamos enfurecidas quando chegamos à conclusão de que a palavra “mercado” substituiu a palavra “sociedade”.
Também estamos surpresas com a realidade do ensino médio aqui no Recife – concluímos que os alunos passarão direto do nível fundamental para o superior e não entendemos nada, mas de uma coisa temos certeza: nós duas fecharemos as portas da última escola de ensino médio que existir na cidade.
Tá certo que precisamos aumentar o número de alunos no ensino superior, mas assim também é demais: imitando alguém, talvez Oscar Wilde, digo que há sempre uma solução fácil (e errada) para um grande problema. Ôxi!, quem já viu uma doidice dessas...
Aí fico pensando... E o menino vai chegar ao ensino superior sem saber ler e escrever, sem a aquisição das habilidades correspondentes? Fico animada, ele vem, ou voltará, mas... e até lá?
Nosso curso seria bem legal – uma revisão de literatura e gramática e uma ênfase em redação e interpretação para apenas quinze alunos, com atendimento personalizado. Por enquanto, o que pode nos salvar seria começar em março, adiando um pouco a data prevista. Ai ai ai!
Então fico na dúvida se devemos dançar uma coreografia grega (à la Zorba) ou um tango argentino (à la Bandeira)...
Outro dia eu disse a ela, a não sei que propósito:
− Temos um problema econômico.
− Ô, se você não me dissesse, eu nem notaria, ela retrucou.
E rimos muito e mais ainda quando descobrimos que já recebemos um cheque sem fundos.
Sei não... Acho que esse povo está se bronzeando demais nas praias; depois dos quarenta é que a gente descobre que não deve fazer isso... Deviam voltar, que a vida não é moleza, é preciso estudar e ralar muito para garantir as contas.
Só tenho medo de nossos alunos gastarem, nas férias, o dinheiro das matrículas com o qual precisamos fazer ajustes de toda sorte, de hidráulicos a dermatológicos. Ai ai ai!
Essa irmã tem uma trajetória bonita: achava que seria feliz em São Paulo e, tentando ler “O homem; as viagens” de Drummond (e ler também é ler-se), foi, aos poucos, aprendendo a “com-viver” e, hoje, apesar das cicatrizes, é um belo espécime de ser social.
Tem um apego diferente às narrativas: é capaz de perder um papo para ver ou rever um filme e se lembra de detalhes e minúcias que cita e recita a toda hora.
A terceira irmã é a mais parecida comigo fisicamente e a mais diferente psicologicamente: é prática, rápida e sempre tem muitas coisas a resolver e... resolve! Eu vivo dizendo: se eu tivesse um terço do que ela tem que fazer, iria para um sanatório de doentes mentais rapidinho.
Justiça seja feita – ela me ajuda muito a resolver minhas coisas, porque sou péssima nisso. Aliás, eu acho minhas irmãs ótimas, mas acho que elas não podem dizer o mesmo de mim. Passam a vida me ajudando, e eu, nada.
Depois eu conto (no segundo setênio) como não sou a irmã mais velha, sendo; fiz uma confusão tão grande que endoidei a família e ainda não me curei disso: recentemente, pedi a minha irmã mais nova que fosse minha mãe e ela me mandou para um lugar bem feio. Bem feito!
Meu consolo é que fui cozinhar um jantarzinho na casa de uma delas depois de uma briguinha básica no Hiper Casa Forte pela inserção de meu filho com necessidades especiais, e a comida deu certo. Minha irmã disse que, pelo menos nesse dia, eu tinha feito tudo certo! Saí exultante, cedo, e fui dormir logo, porque já se sabe... Eu, acordada, sou um perigo e podia botar tudo a perder...
Normanda tem razão: uma pessoa como eu, só com três anjos da guarda...
13 Comments:
Flavinha, querida
que saudade de você e de sua irmã "Diretora de Marketing"; por onde voces andam que não sei notícias? Lembra o "Pequeno Príncipe"? "... a gente se torna responsável por aquilo que cativa"?
pois vocês me cativaram, e aí?
Seu Chá de Rolha de hoje me lembrou os Setênios. E quando vem o próximo? ou, melhor ainda, a continuação do primeiro ? acho que ainda tem muita história por ali.
Abraço carinhoso prá você e Debie.
tia, finalmente vou conseguir comentar por aqui, antes só podia quem era dono de um blog também.. :/
fazia tempo que não vinha aqui.. e de cara encontrei esse texto. fiquei eu emocionada, capaz de ter sido por ter também os meus anjos por aqui, e me identificado de alguma forma.
nunca tive a oportunidade de te dizer, mas o blog é uma ótima leitura aqui pela net.. poderia passar a madrugada lendo os textos atrasados. ^^
beijinhos pra senhora..
Que bonito!!!! Que sorte fazer parte de uma fraternidade assim! Legal, mesmo!
Por favor, nao fechem o curso. Nao desanimem com os cheques sem-fundo e com o desaparecimento dos alunos. Entendo que esperança e paciência nao sao compatíveis com economia, mas alguma coisa tem que mudar nos rumos futuros da educaçao brasileira.
Espero poder chegar aí e me inscrever, antes que vcs desistam. Abraços.
Tão bom ler seus textos Flávia, dá p/ matar um pouquinho da saudade das suas aulas que eu fazia de tudo p/ não faltar uma. Durante o ano inteiro acho q no máximo faltei umas duas.
Ler seus "casos familiares" me recorda mt a minha família q é bem numerosa, e q também tem mts professores, difícil é encontrar algum membro que nunca foi professor, mesmo q posteriormente seguissem outra carrira, a grande maioria começou ensinando. Temos histórias dos professores mais chatos, exigentes aos mais tolerantes hehehe...
Beijos!!!
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Professora Flávia,
Meu nome é Carolina Lemos. Sou aluna nova no seu curso de Redação e Literatura e achei muito interessante a visão que tens do mundo.
A senhora me abriu muito os olhos hoje pela manhã. Pena que eu só tenha aberto os olhos para a realidade nesse ano em que curso o 2º ano do ensino médio.
Quero que a senhora abra ainda mais meus olhos para tudo que vou enfrentar e me mostre tudo o que está preso na sua mente pois estou aberta a opiniões.
Quero conhecer mais esse seu jeito de enxergar o mundo pois para mim esse dom de argumentar é arte! E arte é o que eu adoro. Adoro desenhar, poesias, pinturas,...
Eu sempre tento compreender a realidade do artista (poeta, pintor, escultor, desenhista, etc.)
Sou péssima em redação. Ano passado só tirei 6 na matéria. Passei por sorte. Estou em dúvida se faço direito ou medicina. Quero me empenhar em todas as matérias, ser boa em apenas algumas não conta.
Meu vocabulário não é muito bom. Eu não busquei informações durante todo esse tempo, por isso que quando minha professora de redação me dava um tema eu saia perguntando o que ele queria dizer.
Por favor, abra minha mente!!
Gosto muito de poesias. Estou começando a conhecer Vinicius de Morais. Parece muito interessante.
Professora eu admiro seu dom de argumentar, meu sonho era tê-lo.
Também tenho um blog. Se a senhora quiser se comunicar comigo e me ajudar, eu seria muito grata.
http://bykachan.blogspot.com
(Ah! Mencionei que amo a cultura nipônica? ^^)
Beijos!!
[obs.: Se tiver algum erro me diga. Estou pronta para tudo!]
Que belos textos.
Por curiosidade, parei aqui e por prévia admiração, venho me deliciando com teus textos.
Adoraria ter sido tua aluna e desconfio que serei aluna de tua irmã Lívia (faço Letras na UFPE).
O que tu escreves passa uma calma... Mesmo quando incita uma reviravolta interior, é com tanta calma...
Adorei. =))
Flávia!!
As suas histórias têm sempre uma lição para gente levar para vida toda.
Sou Débora Possídio, sua ex-aluna de anos.Anos de ansiedade,de derrota, de aprendizado, de procura...
Hoje estou cursando a minha tão sonhada faculdade de Medicina... Outra fase de vitórias, de derrotas,de procuras...
Mas o que a senhora me ensinou como pessoa e educadora, eu nunca vou esquecer.
Sei que cada ano de vestibular perdido foi mais um ano em que ganhei...Pois sei que a minha consciência, a minha maturidade e minha alma hj são mais ricas, em muito por sua causa!
Amarei sempre você!
dappossidio@hotmail.com
Quando eu crescer vou querer continuar sendo como sou, pois acho que sou um pouco como você = estranha (e sim, é um elogio). Quando houver oportunidade, explico.
olá flávia!!!
é sempre bom ler esses seus textos...sempre me divirto muito com suas palavras,mas o que eu queria mesmo dizer e agradecer é que passei no vestibular vou fazer artes plásticas na federal,já estou matriculada.
Obrigada pela oprtunidade de aprender cada vez mais!
um grande beijo.
*se não lembrar de mim fui sua aluna ano passado indicada por Vera.
fláviiaaa! que saudade enorme...de uma boa aula de literatura e dessa pessoa maravilhosa que é!
um abraço forte.e um beijo grande!
Flávia !!!
estou com saudades !!!
cadê os Setênios e os Chá de Rolha prometidos? e a pessoa linda que eu nunca mais vi ou conversei?
estou esperando...
Abraço carinhoso
Oi Flávia,
Li seus Chá de Rolha. Adorei.
Continue escrevendo.
Beijos
Postar um comentário
<< Home