segunda-feira, maio 07, 2007

Planeta Animal

Já é de praxe, quando se fala na atividade do professor, partir da frase sabida de João Guimarães Rosa que afirma não ser o mestre aquele “que sempre ensina, mas o que, de repente, aprende”. Pudera. Todo ano fazemos uma revisão do assunto, o que nos dá uma oportunidade única de não esquecer, somada a outra de rever o assunto, sempre, em perspectivas diferentes. É como, aos quarenta, reler um livro querido da adolescência – ele se torna outro.
Assim, comecei o ano, de novo, tendo que ensinar aos meus alunos o Quinhentismo, o período inicial da cultura do Brasil. Só que, por acaso, o mundo inteiro resolveu discutir o aquecimento global e os dois assuntos terminaram por se encontrar na minha vida e na minha sala de aula. Não me contive quando bateu a vontade de registrar o que, com a ajuda de meus alunos, terminei por aprender.
O Quinhentismo, na verdade, foi um hiato cultural bastante longo, que durou de 1500 até 1601, quando se iniciou o Barroco no Brasil. Durante esse período, havia dois tipos de manifestações literárias aqui – a informativa (comprometida com o objetivo do Expansionismo europeu, ibérico principalmente) e a jesuítica (comprometida com a meta da Contra-reforma católica).
Nenhum desses dois tipos de texto era literário, pois, como se pode constatar, a gratuidade passa bem longe deles: os textos informativos, como o próprio nome diz, informavam Portugal sobre o que havia aqui que podia ser apropriado; os jesuíticos, escritos pelos padres da Companhia de Jesus, também informavam a Igreja Católica das ações aqui empreendidas em favor dos objetivos tridentinos, mas, predominantemente, construíram, no Brasil, uma atmosfera medieval, mais favorável à catequese, sua principal meta. Poemas, peças teatrais ou dicionários foram escritos, não com o intuito de aprender, educar ou divertir os nativos, mas impor a eles um jeito de ser e pensar alheios.
Na pessoa do papa João Paulo II, a própria Igreja já pediu um perdão histórico por ter feito parte desse projeto de desrespeito à diversidade cultural e religiosa dos povos americanos.
Mas tudo isso vem apenas como ponto de partida para pensar a questão ecológica que se instalou aqui através do Processo Colonial. É que, sim, problemas ecológicos são decorrentes de questões políticas, apesar da falta de foco nisso que toda discussão sobre o assunto apresenta.
Do jeito como se discute “ambiente”, parece que todo o problema está em baleias, macacos ou florestas, quando essa “febre” apenas indica uma “infecção” no homem.
O Processo Colonial que vitimou o Brasil também construiu uma questão ecológica: a nossa Mata Atlântica tanto deu pau-brasil (entre 1503 e 1530, as remessas totalizaram 300 toneladas por ano), como, aos poucos, foi “desaparecida” para dar lugar aos engenhos de açúcar os quais, durante os séculos XVII, XVIII e XIX, enriqueceram a Europa. Portugal, por exemplo, vivia do lucro da intermediação do comércio entre o Brasil e os outros países europeus.
À proporção que a Mata Atlântica era “assassinada”, nativos e africanos eram vítimas do primeiro grande genocídio perpetrado pelo homem contra o homem: doenças, seqüestros, escravidão, assassinatos, estupros, perseguições, maus tratos... tornam o fim da floresta um horror mencionável, mas menor. Esse homem “infeccionado” está, hoje, seqüelado, ao nosso lado, e sua recuperação é mais urgente do que a da floresta. Ou melhor: a floresta só se recuperará depois que ele obtiver sua cura, que um ambiente são pessoas, não pode ser considerado à parte, isolado do homem e de suas inseparáveis ações sociais, políticas e econômicas.
Nossa floresta, na atual discussão, nem parece ter sido dizimada pelos países ricos: nós é que somos acusados de sermos destruidores de florestas e eles saem de heróis salvadores de baleias jubarte, como se eles mesmos já não tivessem esgotado até as próprias florestas, por exemplo, durante a Revolução Industrial, além da nossa.
Todos só querem discutir o problema como se ele fosse de flora ou de fauna, sem se discutir estilo de vida e consumo.
Quem topa comprar menos? Trocar o carro por transporte coletivo? Tornar o verbo “comprar” um ato de responsabilidade pessoal e social e não de alienação? Os países ricos abrem mão dos recursos naturais que eles concentraram a força? Eles repartiriam a riqueza imensa que acumularam a partir dessa concentração? Deixariam de desperdiçar combustíveis?
Não? Então, continuemos a falar de buraco na camada de ozônio, mico-leão dourado, ararinha azul, em detrimento do homem que, ao lado desses animais, continua “infeccionado”, num mundo que nunca foi tão rico, tão informado e, aparentemente, tão preocupado com o futuro que, salvo engano, será, então, cheio de bichos e florestas, mas sem humanidade.

11 Comments:

At 9:52 PM, Blogger Por detrás da malha fina said...

Oi Flávia,
Fui teu aluno e fico feliz em ter encontrado teu blog. Aproveito para registrar o carinho que tenho por você e a importância que você teve na minha formação.

E quanto ao mico leão-dourado e à ararinha azul, fiquemos com a ressurreição do homem, digno, então, de reverter o aquecimento global.
Um beijo e até mais.

 
At 2:38 PM, Anonymous Anônimo said...

Quem não entende de fisica, quimica e biologia, não deveria embarcar no modismo de vestir a camisa da moda: a doa ambientalismo irresponsável. Aquele que acha que "produto orgânico" é a salvação da humanidade. E que a palavra "produto quimico" é um palavrão. A revolução verde que se iniciou depois do pós-guerra, com uso de defensivos agricolas e fertilizantes, deu ao homem um poder de produção de alimentos jamais visto na história !

 
At 11:37 PM, Blogger gandaya said...

Olá professora, sou Caio e estou estudando em seu curso, realmente acredito que sem uma mudança na forma de pensar humana em relação ao uso sem desperdício da enegia oriunda dos recursos naturais não haverá solução para o planeta Terra. Há um paradoxo no que acabei de escrever porque no momento em que escrevo este comentário estou desperdiçando grande quantidade de energia elétrica originada de uma hidrelétrica que mesmo sendo considerada uma energia limpa alterou o leito de um rio e provavelmente provocou certos impactos ambientais em torno dessa hidrelétrica. Essa energia elétrica jogada fora poderia ser economizada se eu não usasse o computador e em seu lugar eu escrevesse uma carta para você.

Obrigado por este espaço e até a próxima aula, abraços!

 
At 9:10 AM, Blogger ANALUKAMINSKI PINTURAS said...

Também gosto de TRANÇA... e de entrançamentos, fios, entrelaçamentos... como estes que, às vezes, se cruzam por aqui, no mundo virtual: vim parar aqui através do blog do Yuri. E gostei. Sim, é preciso pensar sobre o planeta azul, se desejamos a perpetuação da VIDA. Abraço alado azul.

 
At 7:42 PM, Blogger Samarone Lima said...

Flávia, finalmente consegui colocar teu blog como indicação de coisas boas para ler na Internet.
Voltei aqui e achei ótima essa reflexão.
Abraço,
samarone
www.estuariope.blogspot.com

 
At 8:14 PM, Blogger yuri assis said...

homem primata, capitalismo selvagem...
já diziam os titãs.
o problema do ser humano é achar que o problema nunca é dele e procurar a raiz das más ervas ou no outro ou no ambiente ao redor.
mas nunca dentro de si, ninguém assume a culpa.
orgulho.

bjão flávia!

 
At 11:39 AM, Blogger Unknown said...

Ótimo texto. Estou escrevendo um caderno especial sobre essa tal de "quentura". Penso como vc.
João Valadares

 
At 9:13 PM, Anonymous Anônimo said...

Flavia,
soh p te aperriar e dizer que acabei de votar em tu p o jô!!!
Quero te ver lá recebendo o beijo
do gordo pessoalmente, viu?
Tua aula hj foi massa!
alias, todas!
sempre descubro coisas novas a cada aula.
eh muito bom ver vc todas as semanas!
adoro-te menina!
bjin p tu!
e curte bastante teu fogão viu?

Débora,
tu dissestes na aula de redação que tinha um texto no blog chamado: "Planeta Homem"
e não tem!
ou então eu não estou achando!
Ahhh,
e tu num sabes da maior!
nem te conto!
diz quem vai fazer letras?
Chuta...
Ela mesmo!
Taciana.
vê só!
a aula de hj foi massa!
tu contando as tuas historias é o melhor,
tuas loucuras lá do idéia e de outros colegios!
adoro-te muitoooo!
tuas aulas tbm
É bom te ver toda semana!
fico imaginando quando o ano acabar...
eu não vou largar do teu pé, ok?
vc ainda vai me aturar muitoo
hauhauhauahau
e eu ainda vou te cutucar um dia!
bjo p vc minha louca preferida!

 
At 1:12 PM, Blogger Sofia Sampaio said...

Salvemos baleias, ou então a humanidade vai cair em uma depressão interminável ao enxergar de pertos os males que faz. Precisamos de mentiras! Viva! O mesmo acontece quando falamos de violência com uma coisa externa a nós. São esses óculos que precisamos retirar, comecemos por ai. Só tem um animal que precisamo ajudar nesse momento: o homem.
Não tem muito que falar depois de um texto assim!

Ah, o texto que fiz está no meu blog, mudei o título, agora ele se chama “Uma Maria”.

Sofia.

 
At 9:02 PM, Anonymous Anônimo said...

Oi Flávia.
Esse seu texto ficou excelente, queria poder usar a primeira pessoa nos meus, pra tentar chegar pelo menos a 10% do q vc escreve. hehehehehehe...
Mas me contento com o que posso, por enquanto.
Bjus.
Que Deus te abençoe.

 
At 1:45 PM, Anonymous Anônimo said...

Sua vaca

 

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