ENTERRO
As redes
carregam
palavras quase mortas.
Ainda se debatem.
Mas já não dizem.
O nome “trança” me veio, ficou na minha cabeça e impediu outro de chegar, talvez por acreditar que cada um de nós é uma trança de gente...
"Estou sempre fazendo o que não posso, para aprender como fazer." (Van Gogh)
Este tempo
desafia
a palavra.
O passado
é inútil;
a linguagem
onipresente
não é um socorro;
o futuro pergunta
se há quem
escute...
Encalhada
nesse paradoxo,
a palavra
grita e cava.
Pátria
é um lugar
muito longe;
pertenço
a esta cidade
ainda que ela
fale
duas línguas.
O alfabeto
da água
é um consolo
surdo de poucos.
O da pedra,
um grito
mudo de muitos.
A solução
dessa babel
é o aprendizado
da escuta.
Recife flutua
suspenso
na linha equívoca
da água.
Agora, dono
de nova suspensão,
foi interrompido
por esperas
cheias de cautelas.
Seus viadutos
espelham sua face:
morto concreto levantado
com seus porões
de desabrigo e abandono,
lar dos que
a pressa dos carros não vê.
O trânsito
foi anulado:
nenhum transeunte
de um desamparo a outro;
nas pontes
nenhuma ligação.
Recife foi redesenhado
pelo vazio,
e as sirenes
falam a língua
dessa nova aflição.
A solidão
própria de toda cidade
se redobra,
e os rios
choram a prisão
de suas margens.
Suspensa
a anestesia da pressa,
a ferida da injustiça
arde sem remédio.
Recife encontrará
de novo seu tempo
que flui
entre praças
e ruas desertas:
sabe que
o presente e o futuro,
um pelo outro é cerzido.
Voltado às auroras,
entenderá
que se nasce
para recomeçar
a cura do talho.