quarta-feira, agosto 31, 2011

Bicicletas e outros desastres

Débora, nossa diretora do Departamento de Digitação e Marketing, comprou uma bicicleta, e a inauguração desse veículo foi um acontecimento de tal relevância que merece uma referência neste blog.

Os leitores mais antigos sabem que temos um problema insolúvel no “gene das inaugurações”, as quais costumam dar chabu. Já os mais novos podem acessar, no arquivo ao lado, os textos de fevereiro de 2007 e abril de 2008 para conferir. Mas, antes de falar dessa inauguração, digamos, globalizada (mas nem por isso exitosa), quero fazer uma reclamação dos professores de ciclismo.

Não sei bem de onde eles tiraram a ideia de que sabemos andar de bicicleta; de que têm apenas de dizer que a segurarão (mas, na verdade, não o farão) e que, quando a soltarem, sairemos pedalando mundo afora, perfeitamente, porque precisamos apenas nos lembrar... Para eles, lá dentro, no mais profundo do nosso eu, somos ciclistas competentes, porque, ainda no útero de nossas mães, passamos nove meses pedalando.

Meu primeiro professor de ciclismo foi meu primo Ciduca. Ele trouxe sua biclicleta para minha casa e, nem sei se pedi ou se ele ofereceu, montei na “cuja”, quando ele me prometeu:

– Pode subir, vou segurar aqui atrás e não vou soltar!

Eu não sabia ainda desse problema didático-metodológico de professores de ciclismo e, na maior inocência, acreditei. Andei assim uns três ou quatro metros e fez-se o (in)esperado: ele me largou! E eu... caí.

Foi um acidente espetacular: caí por cima do limoeiro de minha mãe e me arranhei toda nos espinhos, além de que havia obras no quintal e me lanhei inteirinha nas lascas do granito que sobravam por todo lado. Fiquei tão ferida que tive febre, no dia seguinte, e prometi a mim mesma nunca mais subir numa bicicleta. Ah! Também doeu o fato de que minha mãe, levantando os olhos das costuras, exclamou:

– Ô menina desesperada, sai de cima do meu limoeiro!

Eu queria sair, é claro, mas não podia nem me mexer, porque estava quase morta e porque episódios dessa natureza costumam desatar acessos de riso incontroláveis na minha família e ninguém tinha condições de me ajudar.

Muitos anos depois, meu filho mais novo, então com seis anos, aprendeu a andar de bicicleta e gostava tanto disso que me disse:

– Ô, mãe, é tão bom... Por que você não tenta?

Eu lhe contei minha experiência desmantelada e ele retrucou:

– O difícil, mãe, é fazer duas coisas ao mesmo tempo: pedalar e dirigir. Mas, se a gente for naquela ladeirinha lá da granja, aí você só vai precisar dirigir. Que tal?

Eu não sei onde estava com a cabeça para achar que ele tinha razão. Levamos a bicicleta ao cume da ladeira... Eu confesso que estava temerosa...

– E aí, mãe, posso soltar?

– Daniel...

Ele soltou! A ladeirinha nem era tão pequena assim... Lembro que minhas bochechas começaram a tremer e, nessa hora, eu descobri uma coisa horrível: meu problema é de direção, porque eu não conseguia governar o que, naquela época, se chamava “guidon” e saí de lado, que nem um siri.

O avô dos meninos tinha tentado plantar umas laranjeiras na ladeira, mas elas tinham morrido e restavam apenas suas covas. Não sei como, passei por cima dos buracos, sentindo na pele o que chamamos por aqui de “catabi”. Para ser sincera, sofri um acidente ginecológico... E fiquei com a sensação de que sempre sofria acidentes cítrico-ciclísticos!

Voltando, então, ao episódio mais recente da inauguração malograda da família... Débora tinha sido aconselhada pelo médico a exercitar o joelho, pedalando. Aí comprou uma bicicleta chinesa por uma pechincha. Chegou aqui em casa toda feliz e pediu a Daniel para armá-la. Fomos todos para a garagem do prédio... A danada da bicicleta demorou que só para ficar pronta. Daniel, coitado, suava em bicas e nada dava certo – os parafusos não apertavam, as roscas remoíam, um negócio difícil mesmo... Mas ele deu por finda a tarefa, lá pelas tantas... E lá se foi Débora para Aldeia, na cidade de Camaragibe, onde se daria a inauguração ao mesmo tempo internacional (dada a origem da bicicleta) e transmunicipal, já que outra cidade sediaria o evento.

Já em Aldeia, nossa irmã Lívia admirou a compra:

– Por esse preço, vou comprar uma também!

Depois do jantar, Débora vestiu-se a caráter, enquanto nosso cunhado Antonio enchia os pneus. Fazendo pouco dos meninos (cujas bicicletas já estão velhas), Débora montou na bicicleta nova e... o pedal voou!

Antonio tentou recolocar, procurou os parafusos, não achou, parece que não havia mesmo, era só uma rosca remoída...

Todos a postos para uma segunda largada... Débora não conseguiu fazer a curva e embicou na casa da vizinha da frente!

Lívia, já reconhecendo o fracasso da inauguração, ria que as lágrimas escorriam. Mas Débora, ainda otimista, insistiu, saiu de bicicleta, depois de uma terceira largada: “Sou boy, sou boy”!

– Ô compra ruim! – exclamou Antonio discretamente a Lívia (sufocada de tanto rir), para não estragar o entusiasmo de Débora.

A bicicleta, Débora descobriu, tinha que ser guiada sempre para frente. Se ela quisesse fazer uma curva, seu pé assava no pneu. E era tão emperrada que nem o mais habilidoso ciclista poderia se equilibrar direito na danada; para compensar a falta de estabilidade, Débora era forçada a tremer o “guidon” e pedalar com muita força...

Alguns minutos depois, volta Débora, a pé, segurando a bicicleta, e sem sandália, porque o pedal saíra de novo e a levara junto, sabe Deus para onde.

Ficaram as duas pensando se a bicicleta não teria sido feita para as chinesas, que têm os pés pequenos. Mas Antonio era categórico: as peças eram de má qualidade e as rodas, grandes demais para a estrutura, as bitolas não casavam com as chaves-padrão de sua maleta de ferramentas...

Lívia e Débora morriam de rir e tentavam, sem sucesso, por telefone, me contar o episódio, já que eu tinha ficado em Recife e não tive a oportunidade de testemunhar essa outra inauguração malograda da família.

Felizmente, pagando a diferença, Débora conseguiu trocar a chinesa (já sem o barro, depois de um banho de mangueira) por outra, no dia seguinte.

Agora, analisando a “psicologia dos fatos”, como diz meu amigo Samarone, podemos chegar a várias conclusões: já sei quanto custa uma crônica minha, a diferença entre os preços das duas bicicletas; a economia é a base da porcaria, como bem diz o pai de Antonio; bicicletas e professores são seres em que não se pode confiar, os dois juntos, então, nem é bom falar; é preciso ter muita cautela com a globalização...


catabi s.m. BN.E. 1 irregularidade de terreno que provoca solavancos em veículos; costela-de-vaca, costela 2 p.met. o solavanco produzido por essa irregularidade ETIM Nasc. sugere orig. onom. SIN/VAR catabil. (Dicionário Houaiss da língua portuguesa)