segunda-feira, junho 20, 2016

Passeio pela Literatura - 3



“O Ateneu” é um texto destacável por vários motivos – o primeiro é este: trata-se de um livro emocional, tido por muitos apreciadores como uma vingança do narrador (e mesmo do autor, que frequentou escola semelhante, o Colégio Abílio, de propriedade de Abílio César Borges, Barão de Macaúbas) contra a escola em que estudou. Nesse contexto, o relato não apresenta nem a isenção, nem a objetividade do Realismo. A narração é feita pela personagem Sérgio, que vai estudar no Ateneu, colégio carioca responsável pela formação da elite nacional no final do século XIX. Lá conhece uma dura realidade, oposta à que tinha no seio familiar, e as experiências a que ficou exposto mostram os descaminhos morais da classe dominante brasileira. Desse modo, sua raiva e sua revolta turvam a descrição, que, exagerada, confunde o leitor, o qual tende a não acreditar de todo naquele relato caricatural.
            O segundo é a maestria com que sugere a brutalidade do ambiente com “pinceladas” impressionistas, as quais transferem para o leitor toda a confecção da cena ambiental; na época, o ideário determinista pregava que o meio (ladeado pela raça e pelo momento histórico) determinava o ser humano. No caso do romance em questão, o meio degradador é o Ateneu, um colégio que, de fora, parece admirável, mas, de dentro, se revela cruel e hostil, na sua implacável hipocrisia: os personagens, para sobreviver, têm de mentir, mostrar-se subservientes, manipular, disfarçar...  A personagem Franco, por exemplo, em virtude da franqueza adiantada pelo seu nome, foi vencida pela hipocrisia dominante e morreu em abandono total. Dessa forma, o livro se aproxima não só do Impressionismo e do Realismo, mais ainda do Naturalismo − tendência muito forte na época −, à medida que se constrói também a partir dessa ideia de que o meio forja implacavelmente o ser humano, tirando dele toda a possibilidade de escolha e autogestão.
Esse conjunto de pressupostos, depois das ideias de Sigmund Freud, nos parece hoje ultrapassado. Mas a mentalidade cientificista do final do século XIX o aceitava, e vários escritores do período, principalmente brasileiros, basearam nela suas obras, a exemplo de Aluísio Azevedo, autor de “O cortiço”, exemplar tão perfeito desse contexto, que morreu com ele.