domingo, janeiro 21, 2007

Chá de rolha - 5

Sou feliz possuidora de três irmãs.
Afora aquelas histórias difíceis que todos temos, mas que vão passando graças às tranças, à psicanálise e a uma compreensão mais larga que a idade traz, tê-las é como ser dona de um tesouro.
A mais velha das três é uma figura aprumada e acadêmica. Se lembra de tudo que ouve, narra tudo com detalhes hilários, e seu espírito ordeiro lhe dá a competência exigida para a tarefa que escolheu – trabalha no curso de Letras, ensinando didática da língua portuguesa.
Não sei direito como explicar a população de professores de português per capita na nossa família: dos cinco filhos, três são professoras de português, nunca vi uma coisa dessas!
Essa irmã me ensinou que ser tia biológica é igual a ser tia adotiva, achei isso o máximo!
Eu deveria ter sido aluna dela, para ver se gerenciava melhor as minhas aulas, que são a coisa mais desarrumada que já vi, mas não tive a sorte.
Com a segunda, minha diretora do Departamento de Marketing e Digitação (e etc., é bom frisar), abri recentemente um curso de português para o vestibular.
Estamos apavoradas! Somos empresárias falidas de um curso no qual ninguém se matricula (exceto algumas almas, é bem verdade).
Tentamos fazer análises do mercado, mas não conseguimos; só ficamos enfurecidas quando chegamos à conclusão de que a palavra “mercado” substituiu a palavra “sociedade”.
Também estamos surpresas com a realidade do ensino médio aqui no Recife – concluímos que os alunos passarão direto do nível fundamental para o superior e não entendemos nada, mas de uma coisa temos certeza: nós duas fecharemos as portas da última escola de ensino médio que existir na cidade.
Tá certo que precisamos aumentar o número de alunos no ensino superior, mas assim também é demais: imitando alguém, talvez Oscar Wilde, digo que há sempre uma solução fácil (e errada) para um grande problema. Ôxi!, quem já viu uma doidice dessas...
Aí fico pensando... E o menino vai chegar ao ensino superior sem saber ler e escrever, sem a aquisição das habilidades correspondentes? Fico animada, ele vem, ou voltará, mas... e até lá?
Nosso curso seria bem legal – uma revisão de literatura e gramática e uma ênfase em redação e interpretação para apenas quinze alunos, com atendimento personalizado. Por enquanto, o que pode nos salvar seria começar em março, adiando um pouco a data prevista. Ai ai ai!
Então fico na dúvida se devemos dançar uma coreografia grega (à la Zorba) ou um tango argentino (à la Bandeira)...
Outro dia eu disse a ela, a não sei que propósito:
− Temos um problema econômico.
− Ô, se você não me dissesse, eu nem notaria, ela retrucou.
E rimos muito e mais ainda quando descobrimos que já recebemos um cheque sem fundos.
Sei não... Acho que esse povo está se bronzeando demais nas praias; depois dos quarenta é que a gente descobre que não deve fazer isso... Deviam voltar, que a vida não é moleza, é preciso estudar e ralar muito para garantir as contas.
Só tenho medo de nossos alunos gastarem, nas férias, o dinheiro das matrículas com o qual precisamos fazer ajustes de toda sorte, de hidráulicos a dermatológicos. Ai ai ai!
Essa irmã tem uma trajetória bonita: achava que seria feliz em São Paulo e, tentando ler “O homem; as viagens” de Drummond (e ler também é ler-se), foi, aos poucos, aprendendo a “com-viver” e, hoje, apesar das cicatrizes, é um belo espécime de ser social.
Tem um apego diferente às narrativas: é capaz de perder um papo para ver ou rever um filme e se lembra de detalhes e minúcias que cita e recita a toda hora.
A terceira irmã é a mais parecida comigo fisicamente e a mais diferente psicologicamente: é prática, rápida e sempre tem muitas coisas a resolver e... resolve! Eu vivo dizendo: se eu tivesse um terço do que ela tem que fazer, iria para um sanatório de doentes mentais rapidinho.
Justiça seja feita – ela me ajuda muito a resolver minhas coisas, porque sou péssima nisso. Aliás, eu acho minhas irmãs ótimas, mas acho que elas não podem dizer o mesmo de mim. Passam a vida me ajudando, e eu, nada.
Depois eu conto (no segundo setênio) como não sou a irmã mais velha, sendo; fiz uma confusão tão grande que endoidei a família e ainda não me curei disso: recentemente, pedi a minha irmã mais nova que fosse minha mãe e ela me mandou para um lugar bem feio. Bem feito!
Meu consolo é que fui cozinhar um jantarzinho na casa de uma delas depois de uma briguinha básica no Hiper Casa Forte pela inserção de meu filho com necessidades especiais, e a comida deu certo. Minha irmã disse que, pelo menos nesse dia, eu tinha feito tudo certo! Saí exultante, cedo, e fui dormir logo, porque já se sabe... Eu, acordada, sou um perigo e podia botar tudo a perder...
Normanda tem razão: uma pessoa como eu, só com três anjos da guarda...

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Chá de rolha - 4

O perdão

Ando pensando muito sobre a palavra “perdão”. Eu tenho disso: de vez em quando visito, durante meses, uma palavra, sentindo devagar seu gosto, seus segredos, seus escondidos...
Esse comportamento me faz aprender muito. Começo pelo dicionário, que me apresenta a palavra congelada, aquietada na sua previsibilidade e conferível no seu estatuto vítreo.
Mas nem sempre minha conclusão final combina com a informação obtida: o que vou juntando, aos poucos, detona uma explosão de sensações e novos significados que muda, para sempre, minha ligação com a palavra. E ela se torna minha de uma forma nova e diferente.
Vou descobrindo devagar que a palavra “perdão” não está junto do verbo “esquecer”, até porque esquecer é perder. Riobaldo, no “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa, afirma que, para ele, esquecer é ruim como perder dinheiro e eu tendo a achar essa frase muito boa.
Somos o que somos (esse colosso de erros e acertos) porque inventamos duas palavras só nossas – “passado” e “futuro”.
Registrando primeiro na tradição oral e depois na escrita nossas experiências pessoais e coletivas e expressando-as uns aos outros através das gerações, criamos uma ontologia diferenciada e única no universo que pudemos conhecer até aqui.
E a contínua lembrança do passado, seguida de uma reflexão dolorosa, somada à aceitação ou à confrontação de sua “gramática” foi o tear que teceu os fios desse nosso modo de ser tão diferenciado.
Portanto, se esquecer fosse o caminho, provavelmente estaríamos vagando numa planície africana, como os bichos, na sua trajetória também mágica, mas igual sempre. Nosso progresso e tudo o que ele tem de bom e ruim é resultado dessa nossa habilidade de “guardar” o passado, para estudá-lo, sabê-lo e modificá-lo, para construir um futuro melhor.
Assim, “passado” e “futuro” são palavras fundamentais; são trilhos sobre os quais corre o trem de nossa história rara, agônica e, às vezes, bonita.
No ano passado, um aluno me perguntou, impaciente, para que servia história da literatura, a matéria que leciono. Eu fiquei surpresa mas não me abati e respondi, perguntando:
– Você fez sexo na semana passada?
– Sim, ele respondeu.
– Muitas vezes ou poucas vezes? – insisti.
– Muitas vezes, ele me disse.
– Sua namorada ficou grávida? – continuei.
– Não, ele retrucou.
– Pois é, meu filho, seqüenciei, não serviu para nada, não foi? Somos assim, gostamos de coisas que não servem para nada, temos muitas sedes e muitas fomes... de justiça, de beleza, de amar, de ser amados, de pertencer, de fraternidade, de liberdade...
E sigo arengando com eles o ano todo, a vida toda, que ser professora é como ser gente – tem coisas divertidas e dolorosas, misturadas.
Pois bem: perdoar não é esquecer, é compreender. E o passado tem tudo a ver com isso, pois somos seres com passado, inescapavelmente. Não podemos esquecer o passado, mas devemos enfrentá-lo de toda forma: a ciência, a arte, a história... tudo são ferramentas para forjá-lo e vencê-lo.
Acho que é por isso que tenho uma queda por professores de história – seres preciosos que guardam como ostras pérolas escondidas e que nos ajudam a não sair inventando a roda ou repetindo erros.
Mas o segredo é que um dos “links” de compreender é construir: é preciso sonhar e, aos poucos, realizar sonhos, conceber-se noutra direção, libertar-se das dores e buscar caminhos, que o passado não é gaiola, mas chave.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Primeiro setênio

Nasci no dia 27 de agosto de 1957, prematura, numa primeira versão da minha história. Sou a primeira filha de Marcos, um pediatra de realce, e Afra, uma pacata e silenciosa dona-de-casa – primos legítimos entre si; minhas duas avós eram irmãs.
Minha mãe era tão quieta e silenciosa que, se por acaso entrasse num quarto e falasse com uma de nós que estivesse de costas, morríamos de susto, pois não tínhamos percebido que ela tinha entrado. Uma vez minha irmã Lívia perguntou a ela por que não corria, e ela, bem devagar, respondeu:
– Porque nunca precisei...
Até os onze anos, morei na João Suassuna, nº 48, uma rua com apenas quatro casas, que tinha o nome do meu avô paterno.
A primeira casa era de D. Milena e Seu Cruz, acho que um comerciante de tecidos. Fui dama de honra do casamento de sua única filha, que se chama Laura. Há muitas histórias dessa família na minha família, mas não acho que elas têm ligação comigo especificamente. Ah! Havia lá um relógio lindo, com uma pancada maviosa, pequena a cada quarto de hora, e outra maior a cada meia hora, e o anúncio das horas solenemente. Dava para vê-lo pela grade do terraço.
Mais tarde, noutro setênio, contarei episódios nos quais, de novo, há ligações entre mim e o povo dessa primeira casa.
A segunda casa era a da minha avó paterna, Rita, que morava com três filhas solteiras (uma casou-se depois, chama-se Magda, a gente a chama de Midô; há muito tempo ela é viúva).
Minha avó era uma pessoa muito especial. Era metódica e espartana. Ficou viúva com 35 anos, usou luto até morrer, meus filhos a chamavam de Dinda Preta, por isso.
A casa era simples e muito limpa, todo sábado era lavada, e o chão ficava frio e cheiroso. A faxina era geral: minha avó tinha longos cabelos que ela mantinha presos em duas tranças que faziam um coque grande e que eram também lavados no sábado e ficavam soltos até secar, quando, então, eram de novo presos. Minha avó, neste dia, dava corda em um relógio, mais simples do que o de Dona Milena, mas cujo som também faz parte da minha infância.
Minha avó gostava de plantas e de crochet. A rua não era calçada e ela mantinha uma espécie de canteiro de plantas ao longo dela e aguava tudo bem cedinho da manhã. O cheiro da terra molhada é outra lembrança de meus primeiros anos de vida.
Depois disso, minha avó tomava o seu café, lembro como ela usava mais do que todos as mãos para comer. Aliás, as mãos de minha avó eram lindas, quase todos os dedos do mesmo tamanho... A tapioca que ela fazia era muito gostosa! E também o vatapá e a canjica que ela fazia em grandes quantidades na Semana Santa e pelo São João, e todos da família iam buscar um prato. Eu sempre achei isso feliz e bonito!
Depois do café, pegava seu crochet e trabalhava todo o resto da manhã. Almoçava e dormia um cochilo no sofá da sala.
À tarde, minha avó colocava uma cadeira de palhinha na calçada para cumprir seu segundo turno de crochet. Minha mãe bordava em sua companhia. As crianças brincávamos por ali ao redor delas.
O quarto lacônico de tia Mana e o quarto supérfluo de tia Selma foi oposição pedagógica da minha infância, foi o começo da aprendizagem que fiz de que as pessoas são diferentes e de que temos de conviver com essa diferença.
Gostava de ver tia Selma fazendo seus lindíssimos pacotes de presentes e da bagunça que ficava no quarto, e me surpreendia como ele depois magicamente virava de novo aquela impecável vitrine dourada e vermelha.
E gostava de ver tia Mana se aprontando e tirando suas coisas de uma frasqueira de couro bem arrumada. Pela varanda azul do quarto de tia Mana entravam os galhos de uma mangueira frondosa que, na verdade, era do vizinho da frente. Lembro do cheiro de sua florada, era bom!
Essas tias eram elegantes e arrumadas, cada uma em um estilo; tinham herdado o apego pela rotina de minha avó, que meu pai também tem.
A terceira casa era de Dr. Salsa e Dona Ivoneide, era cheia de moças e brigas.
A quarta casa era a do meu pai e de minha mãe. Vivi lá até os 10 anos, ou seja, todo o meu primeiro setênio. Havia um terraço enorme, com cinco aquários (lindos!), com peixes da mais diversa origem e espécie. Os aquários eram embutidos na parede. Ao lado do terraço havia uma área com mais dois tanques de peixes e um pinheiro alto que ia dar na altura da janela de meu quarto. Um dia tive febre e achei que ele tinha caído sobre mim.
Há uma ligação astral entre mim e aquários, escrita com ferro e fogo nas estrelas, só pode. Meu pai era aquarista e gastou uma fortuna fazendo esses no terraço. Neles havia peixes de todas as formas e tamanhos: esquadros, esferas, linhas... Vinham do Amazonas, do Mato Grosso e coloriam o terraço de uma forma multiplicada!
Depois eu conto como isso, através do sangue, foi passando para os meus filhos, que até hoje mantêm aquários em minha casa. Em nós, é um gen dominante (azão azão), sendo “A” de aquário.
O dia de lavar a casa era a sexta-feira, a gente podia brincar na água com sabão, desde que não ficasse em pé para não cair.
Sabíamos de cor e salteado que menino que mama só morre de queda e de cachorro doido, e ficamos com medo de queda e de cachorro.
Era linda a água escorrendo da escada! No dia da lavagem, Seu Anastácio vinha ajudar, ele era forte e disposto e lavava também o quintal atrás da casa, que era todo cimentado, com alguns canteiros, um galinheiro e mais uns aquários no oitão e outro alto, numa caixa d’água suspensa por quatro pés de cimento.
Havia uma réstia de luz de tarde na escada, que era muito bonita, e também me lembro do aconchego de minha mãe: ela deitava de lado no sofá e dobrava as pernas e eu fazia os seus joelhos de travesseiro e me sentia bem.
Minha mãe me ajudava nas tarefas da escola e me lembro que ela fazia a ponta do meu lápis e a afinava na barriga grande onde estava a minha irmã mais nova.
A cozinha era escura, apesar da janela que dava para o pátio dos tanques; nunca gostei muito de cozinha, na verdade. Nunca entendi sua lógica, eu precisava ser mais depressa para dar conta de uma integralmente.
Lá em cima no banheiro havia uma banheira. Era gostoso deitar na água e sentir o chuveiro na barriga e o silêncio quando a água morna entrava nos meus ouvidos.
Aos sábados, depois do almoço, íamos na granja com papai. Ele parava em Parnamirim e comprava biscoitos waffer e em Casa Amarela para comprar a ração dos galos e galinhas de briga que havia lá. Viajávamos em cima dos sacos, eu enjoava e só a brisa fresca da granja me curava da vontade de vomitar.
Na granja eu tomava banho no rio; à proporção que fui crescendo, a água foi ficando fria, fria, aí não quis mais. Levei uma bicada de um galo e um quase-coice de um cavalo chamado Serafim. Essa granja era um lugar de homens, os galos brigavam, sangravam, matavam-se uns aos outros, cortavam-lhes as cristas, era tudo uma selvageria inominável, mas eu estava lá, olhando, aprendendo a lógica masculina, o que me seria útil mais tarde.
Ainda havia a casa de minha outra avó, que se chamava Olímpia, no sertão, onde havia um curral cheio de vacas e seu cheiro especial, um eco divertido no corredor entre o curral e a casa, um banheiro fora de casa, perto de uma pedra que tinha ficado no jardim, e um pé de cedro cheiroso que dava flores de madeira. E sapos, muitos sapos.
Minha avó era afobada e cheirosa, falava pelos cotovelos, gritava com todo mundo, especialmente reclamava de meu avô. Sua casa era simples e limpa e, num baú com cheiro de cânfora, havia uma boneca de louça que eu, sob sua direção, podia pegar. Lá no sertão a roupa de cama tinha um cheiro muito bom; aqui na zona da mata não é tão bom.
Muitos dos gostos de minha infância são de lá: serigüelas, mangas, pinhas, goiabas... Meu avô tinha um moinho, e o cheiro do café torrado, moído e depois coado, faz parte do acervo de sensações desses meus primeiros anos.
Cordeiro cuidava do curral e do moinho. Como se pode adivinhar, era manso e cordato. Três coisas me impressionavam nele: como ele fazia seus próprios cigarros, lambendo um papelzinho e enrolando o fumo devagar, como cortava a palma para as vacas e como, com uma espécie de rodo, espalhava o café enquanto era torrado.
Quando eu tinha 3 ou 4 anos, fui dama de honra do casamento de minha tia Eugênia, irmã de minha mãe. Essa tia é muito importante para mim, é agora a minha bastante mãe procuradora. Depois de casada, ela foi morar com Fon em Casa Amarela. Na verdade, seu marido se chama Enandro, mas ele me deu uma sanfona quando eu era pequena e, desde então, chamo-o Fon. Essa casa tinha objetos formidáveis que minha tia tinha ganhado de presente de casamento: um aquário que tinha um pé de louça que eram peixes entrelaçados (um amarelo e outro roxo) e ficava em cima de uma mesa de ferro com um tampo de vidro; uma rede; um despertador com uma espécie de margarida no mostrador, que girava para um lado, quando o relógio fazia “tic”, e para o outro, quando fazia “tac” (meu tio o guardava dentro do armário, para minha tristeza, quando ia dormir, por causa do barulho que essa engrenagem produzia). Essa casa também tinha uma cozinha cheirosa e um pé de jambo-do-pará cujos frutos eram uma iguaria.
Neste setênio fui feliz e dele trouxe uma criança calma que, de vez em quando, pula dentro de mim e me restaura. Ele também me deu uma perspectiva de observação do mundo meio engraçada e infantil, como se eu visse tudo pela primeira vez e me encantasse com o que vejo.

Chá de rolha - 3

Estou, aos poucos, na velocidade que me é possível, recompondo minha biografia, sob a orientação de uma pedagoga do Poço da Panela chamada Elisabeth Sarmento.
Essa história começou assim: sua filha precisava de aulas de literatura (minha praia, como dizem meus alunos) e, em certo momento de minha vida, precisei de apoio (a praia dela). Pois bem: com sua ajuda, começo a rever minha vida para reorientá-la noutra direção.
Olhado assim de relance, o Poço da Panela parece apenas um bairro, mas nunca olho nada sem cuidado e descobri nele uma metonímia, ou seja, uma parte que simboliza o todo.
Pode observar: ele tem desses milagres esquisitos que só de pessoas podem surgir: ateliês de artistas plásticos, consultórios de psiquiatras, moldureiros, escritórios, bares, vendas, biografias, loucos... um entrelaçamento mágico de problemas, soluções, encontros, desencontros, caminhos, encruzilhadas, pobres, ricos... enfim, essas coisas que resultam de nossa incapacidade de nos organizar “em formas calmas, permanentes e necessárias” (cada vez fico mais incapaz de me fazer entender sem Drummond).
Fiel ao que a palavra “pedagoga” significa, Elisabeth me conduz à compreensão de minha vida por meio de setênios – grupos de sete anos. Como fiz quarenta e nove anos, escreverei sete setênios e, ao cabo, espero achar compreensões, o que é sempre custoso.
Meus setênios são agora a minha idéia fixa, só penso neles e nos ganhos que me trarão, ou que espero que me trarão. Essas coisas que a gente pensa quando um ano começa...