domingo, maio 27, 2018

Outro amor e seu tempo - para Ana e Yves


Nesta escuridão,
apenas tocam-se
coisas mortas.

O milagre de ver
não é gratuito:
só um esforço
de luz enxerga
as vestes de folhas
das árvores;
a frescura do vento
invisível
com o enfeite inútil
dos pássaros;
a água do rio
que salva
sem saber;
o mar e suas marés
insistentes;
as auroras,
resumo
do giro mudo
das galáxias...

Assim, não se mede
pelo tempo
nem somente
pelo corpo
(de que é apenas
eco distorcido)
esse amor refeito
no desenho
difícil do milagre,
quando é tarde –
tempo de saber-se
e saciar-se;
de aprender-se
o valor das coisas
repetidas e mínimas,
o sentido
nesse absurdo de existir.

Por isso
este poema
que louva
a teimosia do desejo
no corpo ferido
sem medo, entretanto,
dos combates
já perdidos
que se lutam
no curso
claudicante
do amor.
E a peça luminosa
que se soma
de todo amor
que se luta,
para um mundo corrigido.