quinta-feira, junho 30, 2011

"Fantasma sai de cena", de Philip Roth

Recebi de presente de dois amigos queridos o livro "Fantasma sai de cena", de Philip Roth. Agarrada à literatura brasileira como sou, nunca tinha tido a oportunidade de ler esse autor americano tão recente e que trata, de forma tão contundente, de assuntos tão contemporâneos.

O 11 de setembro ou os temores modernos do terrorismo, a velhice, o peso dos meios de comunicação irresponsáveis que vivem do escândalo, tudo está lá no livro, aberto, escancarado, tratado de forma agressiva e sem complacência.

Há várias novidades no livro, como era de se supor num autor que se destaca, como Philip Roth: um uso diferente da narração na primeira pessoa, inclusive com recursos do texto teatral nos diálogos, de vez em quando; uma visão de um homem velho sobre o presente e não um relato sobre um acontecimento do passado, como na tradição narrativa.

Se pegarmos os brasileiros "Dom Casmurro", de Machado de Assis, ou "O Ateneu", de Raul Pompéia, ou mesmo o "São Bernardo", de Graciliano Ramos, o narrador idoso está nos contando um episódio do seu passado - a suposta traição da esposa, as experiências negativas num internato ou o suicídio da companheira, respectivamente. Mesmo o originalíssimo "Grande sertão: veredas", de João Guimarães Rosa, que é um "livro falado" numa linguagem muito especial, relata experiências passadas do narrador Riobaldo.

O "Fantasma sai de cena" traz um narrador velho, Zuckerman, que conta a sua vida presente - como o capítulo inicial, "O momento presente", mostra - e que descortina a falta de perspectiva de um espectro ou um fantasma, como o título anuncia. Na verdade, o personagem-narrador estava "morto" há onze anos: ele vivia em Nova York, quando começou a receber ameaças, e foi aconselhado a sair da cidade. Então, mudou-se para uma casa pequena, numa estrada rural nos Montes Berkshire, distante 200 km, no oeste de Massachusetts.

Sem ler jornais, assistir à tevê ou informar-se, passou todos esses anos sem desejar nada, sem ser alguém, sem falar com ninguém, sem tentar representar um papel no drama de sua época, o que, como ele resume, terminou por livrá-lo de si mesmo.

Mas um tratamento de saúde o obriga a sair do seu esconderijo e a dirigir-se de volta a Nova York, onde corre a vida: pessoas falando (principalmente ao celular, ele surpreende-se), comendo em restaurantes, tendo casos amorosos, procurando empregos, lendo notícias, sendo consumidas por emoções políticas... E a esperança irrompe!

Começa, então, num intervalo de uma semana, a criar a expectativa de obter melhoras de saúde, de relacionar-se bem com outras pessoas, de amar e desejar com reciprocidade, de interferir nos rumos da história de seu tempo, de "fazer diferença", em síntese.

Lendo o jornal, descobre um casal de escritores, de mais ou menos 35 anos, o qual deseja trocar seu apartamento em Upper West Side por uma granja distante, com medo das consequências do 11 de setembro. Num impulso, telefona para o número indicado e inicia-se uma relação, primeiramente comercial.

Jamie Logan e Billy Dadidoff são um casal como tantos outros na cidade. Ela, de uma família texana do ramo petrolífero; ele, de outra, proprietária de uma fábrica de malas e guarda-chuvas, estão assustados e gostariam de sair de Nova York.

Mesmo impotente, em virtude de uma cirurgia infeliz de próstata, Zuckerman começa a desejar a bela Jamie e, como numa cadeia ininterrupta, sua relação com esses dois se estende a mais duas pessoas, Amy Bellette, que ele conhecera anteriormente, e Richard Kliman.
Amy estava doente também de um câncer no cérebro, e a descrição das cicatrizes e do seu estado geral pelo narrador dá conta disso, imediatamente, ao leitor. Ela estava mal, precisava de ajuda financeira - e obteve -, mas encontrava-se empenhada em defender seu amor já morto, E.I.Lonoff, também escritor, de um biógrafo não autorizado que o acusava de incesto, o Kliman.

Richard Kliman é, digamos assim, o vilão da história: representa a negação de tudo aquilo que o narrador levava a sério - era uma pessoa superficial, que fingia ter inteligência e admiração pelas letras mas que, na verdade, em vez de avaliar a capacidade de Lonoff e suas realizações (Zuckerman, desde jovem, tinha muita admiração pelo escritor que, de fato, muito o influenciou), condenava-o a uma "inquisição biográfica". Admite mesmo que o biógrafo não queria entender a transgressão ou falar de nossas imperfeições, mas simplesmente deleitar-se com a revelação, tirar frutos pessoais dela, escandalizar...

Além disso, sua vitalidade, sua ambição, sua tenacidade, sua vulgaridade agridem o paciente fraco e impotente em que o narrador se transformara.

Armado o conflito plural (de visões de mundo, de geração, de postura na vida, de poder), Zuckerman não se sente à altura das exigências e foge ou sai de cena, como o título já anunciava. Volta para seu refúgio.

Que pena...

Envelhecer é só olhar para trás e constatar que fizemos o que fizemos? A vida é desdobrar a instabilidade de encontros irrefletidos que levam a escolhas perigosas? O desencontro é o fim da história? Uma cidade é um bocado de desconhecidos nutrindo o sonho da concórdia, ao comerem juntos num restaurantezinho bom?

Vige, que livro triste! Quando eu crescer, vou escrever uma história sobre relações com sentido...


A Carol e Fernando, que sempre me dão a sensação de que vimos para cuidar uns dos outros e que, portanto, somos todos necessários à trança de gente de nosso tempo.