Apresentando Raimundo Carrero - II
No final do século XIX, o Regionalismo muda de roupa: despe-se do
saudosismo, do escapismo e da idealização românticos para ganhar os contornos
deterministas e cientificistas do período – o herói ganha estatura trágica,
pois luta contra um ambiente inóspito e adverso que o vence, necessariamente. É
o caso de outro cearense, Domingos Olímpio.
Mais tarde, já na década de 30 do
século XX, o Regionalismo reaparece,
no formato modernista; escrito numa linguagem e numa forma francamente
antitradicionalistas, ele mantém a linha de determinação ambiental do século
anterior e acrescenta à “receita” uma visão de esquerda, a princípio, que
depois deságua em denúncia das questões sociais e políticas regionais, potencializadas
pelo clima, quadro típico do Nordeste brasileiro. Observe-se que o Regionalismo, aqui, denuncia a estrutura
agrária latifundiária, uma persistência colonial, que resiste à modernização do
país prometida pela Revolução de 30. A narração do confronto entre opressores e
oprimidos ou entre adversários políticos esclarece o desenho dessa combinação
explosiva de injustiça climática e política para o resto do país, que tinha
curiosidade sobre essas especificidades (coronelismo, seca, retirada,
messianismo, cangaço, latifúndio, patriarcalismo...).
Os paraibanos José Américo de
Almeida e José Lins do Rego, a cearense Rachel de Queiroz, o alagoano Graciliano
Ramos e o baiano Jorge Amado descrevem, a partir de várias perspectivas, um
tempo de mudança,quando o país tirou o poder da mão dos proprietários de terra
e o colocou na dos comerciantes, revirando a região e mesmo o país de ponta-cabeça.
Esses escritores analisam, explicam, levantam causas, hipóteses, efeitos dessas
transformações e o fazem por meio de um retrato realista e mesmo até naturalista
da região. Com aspereza, saudade ou maciez, fotografam um mundo em mudança
enquanto apresentam ao Brasil a região que deu o estopim da Revolução de 30.
Nesse momento, acham-se já
delineados todos os “ingredientes” daquilo que se entende por Regionalismo, que tira sua substância
não só da paisagem (clima, topografia, flora, fauna, elementos que afetam a
vida humana na região...), mas também das riquezas culturais ou maneiras
peculiares da sociedade humana estabelecida naquela região e que a fizeram
distinta de qualquer outra (linguagem – modos de expressão nativos e populares,
ritmos e sotaques diferentes; reações dos indivíduos; tradições; cultura;
civilização; etnia; formas de cozinhar, vestir, morar; lendas; mitos; tipos;
imagem; simbologia...).